Foto: Paulo Valdivieso/Wiki Commons

Aeroporto do Montijo: Estudo alerta para perda de 30% no valor de conservação do Estuário do Tejo

São muito importantes as áreas do Estuário do Tejo que vão ficar de difícil acesso às aves devido ao transtorno provocado pelo ruído das aeronaves, conclui um artigo científico agora publicado.

Uma equipa de cientistas avaliou o impacto que o aeroporto internacional do Montijo, se a construção avançar, poderá ter sobre a alimentação das muitas aves passam o Inverno na zona do Estuário do Tejo.

Com quase 340 quilómetros quadrados, esta é uma das maiores e mais importantes áreas húmidas para aves aquáticas migradoras na chamada Rota do Atlântico Leste. Mas se a construção do aeroporto avançar, o impacto do ruído das aeronaves poderá levar à perda de até 30% do valor de conservação do estuário, indica a equipa de sete investigadores, num artigo publicado a 22 de Abril na revista Bird Conservation International.

“O nosso estudo realça que as áreas afectadas pelo ruído no eixo de aterragem e descolagem das aeronaves [no futuro aeroporto] são bastante importante no estuário do Tejo”, nota a autora principal, Teresa Catry, que é investigadora no CESAM – Centro de Estudos do Ambiente e do Mar, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

No caso do aeroporto do Montijo, “está previsto que tráfego aéreo intenso e voos a baixas altitudes, na descolagem e aterragem, vão cruzar o estuário, sobrepondo-se numa área extensa a zonas intertidais (entre-marés) importantes para a alimentação”, afirmam. A análise debruçou-se sobre o valor destas áreas para as aves aquáticas invernantes, que ali encontram pequenos moluscos, crustáceos e outros invertebrados, entre outros alimentos.

Maçarico-de-bico-direito (subespécie Limosa limosa islandica), que inverna no Estuário do Tejo e nidifica na Islândia. Foto: Hans Hillewaert/Wiki Commons

Em causa estão por exemplo espécies como o pilrito-comum (Calidris alpina), perna-vermelha-comum (Tringa totanus), alfaiate (Recurvirostra avosetta), borrelho-grande-de-coleira (Charadrius hiaticula), garça-branca-pequena (Egretta garzetta) e tarambola-cinzenta (Pluvialis squatarola), entre muitas outras. Ou ainda o maçarico-de-bico-direito (Limosa limosa), em que nalguns anos o estuário “acolhe cerca de 40% da população europeia ocidental” dessa espécie, durante a migração de Primavera, notam os cientistas.

Avaliação quadrícula a quadrícula

Os investigadores começaram por identificar as áreas de alimentação entre-marés mais importantes, a partir de contagens já realizadas das 10 espécies mais abundantes de aves aquáticas invernantes no estuário, explicou Teresa Catry à Wilder.

Para isso, o estuário foi dividido em quadrículas com 250 metros de lado – com cerca de 62 quilómetros quadrados cada uma – classificadas quanto ao seu valor de conservação com o auxílio de um software de utilização livre (Zonation). Essa classificação teve em conta o número de aves e de espécies em cada quadrícula, e também o estado de conservação, esclareceu a investigadora.

Depois, com auxílio do software, compararam a situação actual – sem aeroporto internacional – com dois cenários possíveis se o aeroporto estiver em operação: um em que as aves apresentam grande tolerância ao ruído, evitando apenas as zonas afectadas por sons acima de 65 decibéis (dB,) e outro em que isso acontece também em locais acima dos 55 dB.

Resultado? “A exclusão da área impactada pelo ruído é entre 21% (se as aves evitarem zonas com 65 dB) a 30% (no caso de 55 dB) pior do que num cenário de perda de uma área com a mesma dimensão, se pudessem ser escolhidas as áreas menos interessantes para as aves aquáticas”, indica o artigo científico. Ou seja, conclui, o valor de conservação do estuário poderá reduzir-se entre 21 e 30%.

Estuário do Tejo. Foto: Joana Bourgard/Wilder

“Este elevado custo de substituição indica que as áreas mais fortemente afectadas pela operação do aeroporto não podem ser substituídas por soluções alternativas”, alertam também os autores. Estes chamam também a atenção para os efeitos que o aeroporto vai ter nas aves migradoras de passagem, que usam o estuário para descanso e alimentação no caminho para outros destinos. “Os impactos globais podem ser ainda mais severos, pois estas aves estão mais limitadas em tempo e energia […] e porque não estão familiarizadas com as características do habitat local e com as fontes de perturbação.”

Violação de acordos e erro no EIA

“Os impactos previstos são uma violação dos acordos assinados pelo Governo português para salvaguardar as zonas húmidas”, alertam estes cientistas, que apelam à cooperação internacional do país no que respeita à conservação de espécies migradoras. Actualmente, recordam, metade de todas as populações de aves aquáticas estão a perder terreno a nível mundial, principalmente devido a mudanças relacionadas com actividades humanas.

Por outro lado, nas suas viagens de migração, estas aves dependem de uma rede de locais de alta qualidade para se reabastecerem “nesses voos extraordinários”. “A perda de um desses sítios pode ter consequências dramáticas para toda a população migradora”, salientam os autores do artigo.

A equipa repete também um alerta que já tinha sido lançado na fase de consulta pública relativa às conclusões do estudo de impacte ambiental: nesse estudo, “a severidade dos efeitos do ruído foi subestimada por um erro cálculo”, o que tem como resultado uma “grave subestimativa do número de aves e áreas impactadas dentro de cada classe de perturbação”.

Os investigadores recomendam ainda a realização de mais estudos no estuário, com a realização de voos de teste que repliquem o que aconteceria num aeroporto em operação, e o registo das respostas das aves, incluindo as espécies mais afectadas e as distâncias que percorrem. “Seria extremamente útil fazer este exercício nas zonas de alimentação (áreas intertidais durante a maré baixa) e nas zonas de refúgio (zonas de concentração na maré cheia)”, afirmou Teresa Catry.

No estudo, para além de investigadores do CESAM, participaram também cientistas ligados à organização BirdLife International, ao CIBIO/InBIO – Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, ao cE3c – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, Universidade Federal do Pará e Max Planck Institute for Animal Behavior.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.