Foto: Virvoreanu Laurentius/Pixabay

Alterações climáticas poderão causar perdas súbitas na biodiversidade mundial

Cientistas alertaram num novo estudo que as alterações climáticas podem causar perdas súbitas e catastróficas na biodiversidade por todo o mundo, durante o século XXI.

 

O trabalho destes investigadores, publicado hoje na revista científica Nature, prevê quando e onde deverão ocorrer alterações ecológicas severas nas próximas décadas. Além disso sugere que as primeiras vagas poderão já estar a acontecer.

“Descobrimos que os riscos das alterações climáticas para a biodiversidade não aumentam gradualmente”, explicou, em comunicado, Alex Pigot, coordenador do estudo e investigador do Centro para a Biodiversidade e Investigação Ambiental da University College London (UCL).

“Em vez disso, à medida que o clima aquece, numa determinada área a maioria das espécies será capaz de sobreviver durante uns tempos. Quando for ultrapassado um limiar de temperatura, uma grande percentagem das espécies enfrentará condições que nunca viveram antes.”

“Não é uma encosta escorregadia, mas uma série de precipícios, a afectar áreas diferentes em momentos diferentes.” Ou seja, não será um fenómeno gradual, mas sim uma série de colapsos súbitos da biodiversidade.

Pigot e colegas dos Estados Unidos e da África do Sul tentaram prever as ameaças à biodiversidade ao longo do século XXI. Para isso usaram dados de modelos climáticos de 1850 a 2005 e relacionaram-nos com as distribuições geográficas de 30.652 espécies de aves, mamíferos, répteis, anfíbios, peixes e outros animais e plantas. Os dados diziam respeito a várias áreas do planeta, divididas em quadrículas de 100 por 100 quilómetros.

Os investigadores usaram projecções para cada ano até 2100 para prever quando as espécies de cada quadrícula vão começar a sentir temperaturas consistentemente superiores às que viveram nos últimos cinco anos.

“Quando as temperaturas numa dada região aumentarem para níveis que as espécies nunca viveram, poderíamos esperar a ocorrência de extinções. Mas não necessariamente. Simplesmente não existem provas da capacidade destas espécies para resistirem para lá dessas temperaturas”, disse um dos autores do estudo, Christopher Trisos (da Universidade da Cidade do Cabo).

Os investigadores descobriram que em todas as comunidades ecológicas do planeta, uma média de 73% das espécies que vão enfrentar temperaturas sem precedentes antes de 2100 vai ultrapassar esse limite ao mesmo tempo.

Se as temperaturas mundiais subirem 4ºC em 2100 – um cenário que os investigadores dizem ser plausível – pelo menos 15% das comunidades em todo o mundo, potencialmente mais, vão ser submetidas a um evento de exposição abrupta em que mais de uma em cada cinco é atirada para fora da sua zona de conforto. Um evento desses pode causar estragos irreversíveis ao funcionamento dos ecossistemas, alertam.

Se o aumento das temperaturas permanecer nos 2ºC ou menos, potencialmente menos de 2% enfrentarão esses eventos de exposição abrupta. Ainda assim, os investigadores alertam que nesses 2% estão algumas das comunidades com maior biodiversidade do mundo, como os recifes de coral.

Os investigadores prevêem que esses regimes inéditos de temperatura comecem antes de 2030 nos oceanos tropicais. Eventos recentes, como o branqueamento de corais da Grande Barreira de Coral, na Austrália, sugerem que isso já estará a acontecer. As florestas tropicais deverão ficar em risco em 2050.

“As nossas conclusões sublinham a necessidade urgente de mitigação das alterações climáticas, reduzindo imediata e drasticamente as emissões, o que irá salvar milhares de espécies da extinção”, comentou Pigot.

“Manter o aumento mundial da temperatura nos 2ºC permite um ‘achatar da curva’ das extinções da biodiversidade, acumulada durante este século, e dar mais tempo às espécies e ecossistemas para se adaptarem”, ou seja, encontrar novos habitats e mudar comportamentos. Ou para beneficiar da ajuda de projectos de conservação.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.