Caranguejo-azul. Foto: Jarek Tuszyński/WikiCommons

Caranguejo-azul pode percorrer mais de 100 quilómetros rio acima, revela estudo

Uma equipa da Estação Biológica de Doñana – CSIC alerta num novo estudo que o caranguejo-azul, espécie exótica invasora, pode migrar 100 quilómetros rios acima, colocando uma nova ameaça para muitas espécies de águas continentais, algumas delas em sério risco de extinção, como a enguia (Anguilla anguilla).

A capacidade do caranguejo-azul (Callinectes sapidus), um predador grande e eficaz, para alterar comunidades de outras espécies e causar declínios populacionais é bem conhecida.

Este caranguejo, nativo do Atlântico Oeste (desde a América do Norte até à Argentina), está na Europa desde o início do século XX. Durante mais de 100 anos não foi considerado um problema ambiental especialmente grave. Mas nas últimas décadas expandiu-se de forma explosiva pela Europa e Norte de África. 

Em Portugal, até 2016, apenas se tinham registado cinco indivíduos em todo o território, mas entre 2016 e 2017 este cenário alterou-se drasticamente: houve uma escalada no número de registos no sul do país, em especial no estuário do Guadiana e na Ria Formosa.

Até agora, a atenção dada a esta invasão focava-se nas zonas costeiras e estuários mas um novo estudo publicado a 31 de Março na revista científica Aquatic Conservation: Marine and Freshwater Ecosystems mostra que o caranguejo-azul pode ser uma espécie importante também longe da costa.

A origem desta investigação remonta a 2019 quando Sergio Bedmar, autor principal deste estudo, localizou um caranguejo-azul no troço português do rio Guadiana, a mais de 70 quilómetros da foz. 

Conhecendo outros eventos de migração a longas distâncias no rio Ebro, a equipa investigou a distância máxima de migração deste caranguejo na bacia do Guadalquivir. Foram localizados espécimes tanto na Rivera de Huelva como no troço principal do Guadalquivir, até uma distância de 108 quilómetros da foz, mesmo até à barragem de Alcalá del Río (Sevilha), que actuou como barreira. 

“Este estudo aborda uma nova dimensão sobre o alcance desta invasão e alerta para o risco que implica nos rios, que têm um valor ecológico insubstituível”, comentou Sergio Bedmar, investigador da Estação Biológica de Doñana – CSIC.

Nas regiões onde é nativo, sabe-se que o caranguejo-azul faz migrações de mais de 200 quilómetros desde as zonas costeiras. Até agora pouco ou nada se sabia sobre a migração do caranguejo-azul nas zonas invadidas.

A equipa de investigadores conclui que, ainda que a probabilidade de encontrar a espécie se concentre os troços fluviais mais perto da costa, o seu potencial para subir rio acima é alarmante, incluindo a mais de 100 quilómetros.

“Dado que se trata de um predador especialista em bivalves, o caranguejo-azul constitui uma nova ameaça para mexilhões de água doce, cujas populações têm sofrido um colapso nas últimas décadas”, comentou, em comunicado, Sergio Bedmar. 

Miguel Clavero, outro dos autores deste estudo e investigador da Estação Biológica de Doñana – CSIC, afirmou que “a enguia, cuja área de distribuição se viu limitada pelas barragens, vai sofrer com esta invasão de forma especialmente grave”. A enguia é uma espécie Criticamente Em Perigo que continua a ser pescada para fins comerciais e que encontra na expansão do caranguejo-azul um novo e sério problema de conservação.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.