Foto: Fabio Poggi/Wiki Commons

Carpa e achigã entre as 24 espécies aquáticas invasoras mais ameaçadoras em Portugal e Espanha

O projecto LIFE Invasaqua divulgou esta quinta-feira a Lista Negra e a Lista de Alerta das espécies exóticas invasoras da Península Ibérica.

Uma equipa de 49 peritos ligados ao projecto luso-espanhol LIFE Invasaqua chegou a uma lista negra final com 126 espécies invasoras que estão hoje instaladas tanto em estuários como em rios, lagos e outros sistemas de água doce na Península Ibérica. Os resultados foram publicados num novo relatório, divulgado esta quinta-feira pela Universidade de Évora.

Deste total, 24 espécies “apresentaram um risco de impacto muito elevado e, consequentemente, uma prioridade muito elevada porque obtiveram os valores máximos no processo de pontuação da avaliação de risco”, detalha o documento divulgado pela Universidade de Évora, que aponta algumas destas espécies como estando “consistentemente destacadas como as piores actualmente registadas nas águas interiores ibéricas”. Em causa estão animais e plantas que são considerados os mais ameaçadores para a biodiversidade, a economia e a saúde humana.

Neste grupo incluem-se, entre outras, “a carpa-comum (Cyprinus carpio), o achigã (Micropterus salmoides), o lagostim-vermelho-da-luisiana (Procambarus clarkii) , o mexilhão-zebra (Dreissena polymorpha), o jacinto-de-água (Eichhornia crassipes) e a azola (Azolla filiculoides)”, exemplifica o mesmo documento. O lagostim-vermelho é a espécie que apresenta um risco mais elevado seguido da carpa.

Lagostim-vermelho-da-luisiana. Foto: Pedro Anastácio
Azola. Foto: Dubbeltänk/Wiki Commons

Olhando para a tabela das 24 espécies mais preocupantes, encontram-se ainda outras que já têm dado que falar em Portugal, entre as quais o góbio-de-boca-subida (Pseudorasbora parva), o lucioperca (Sander lucioperca), gambúsia (Gambusia holbrooki), siluro (Silurus glanis), alburno (Alburnus alburnus), visão-americano (Neovison vison), caranguejo-azul (Callinectes sapidus), amêijoa-asiática (Corbicula fluminea) e luísinha-de-flores-grandes (Ludwigia grandiflora).

Siluro. Foto: LIFE Invasaqua
Visão-americano. Foto: Ryzhkov Sergey/Wiki Commons

Pedro Anastácio, investigador no MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente e na Universidade de Évora, onde é professor, considera que seria “irrealista” tentar erradicar tanto a carpa como o lagostim-vermelho-da-luisiana, “devido à sua distribuição generalizada” em território nacional. “Fará mais sentido intervir sobre outras espécies em fase de expansão e que podem ainda ser contidas ou atrasadas, como por exemplo o mexilhão-zebra ou o lagostim-sinal”, ambas também bastante preocupantes, disse à Wilder o mesmo responsável, co-autor do relatório e ligado ao LIFE Invasaqua.

Peixes, moluscos e crustáceos

Tanto entre as aquáticas invasoras mais preocupantes como na lista negra geral, os peixes são um dos grupos que surgem em destaque. Entre as 126 espécies desta última lista, aqueles estão representados por 22 espécies diferentes, tantas como os grupos dos moluscos e dos crustáceos, sintetiza o novo relatório.

Por outro lado, 58 das espécies desta lista negra tiveram origem na América do Norte, outras 31 na Ásia temperada e 27 na região do Pacífico. Há ainda outras 19 aquáticas invasoras que são parcialmente nativas do próprio continente europeu, sendo “invasoras altamente problemáticos nas suas áreas não nativas” – Por exemplo, o siluro e o mexilhão-zebra – e outras 10 oriundas de África.

Dez invasoras com “risco muito elevado” de introdução

Já a lista de alerta identifica 89 espécies exóticas invasoras que representam um “risco notável de invasão na Península Ibérica”. Deste total, os autores do relatório alertam para um total de 10 animais que se destacam com “um risco muito elevado de introdução através das águas interiores ibéricas e, consequentemente, capazes de causar impactos graves nas próximas décadas”.

No que respeita a Portugal, especificamente, Pedro Anastácio chama a atenção para o lagostim-marmoreado (Procambarus virginalis), também chamado de lagostim-mármore, do qual foram encontrados indícios em Espanha já depois da realização do relatório. Este é um crustáceo partogenético, ou seja, “não precisa de um casal para produzir descendência”, e além do mais “está difundido entre aquariofilistas”, explica.

Além deste lagostim, outras espécies incluídas no ‘top ten’ da lista de alerta são o mexilhão-quagga (Dreissena rostriformis bugensis), o caboz-do-amur (Perccottus glenii) – único vertebrado neste grupo – a trompeta-serpulídea (Hydroides dirampha) e o mosquito-da-febre-amarela (Aedes aegypti). Este último, nativo de África, já foi detectado na ilha da Madeira, sendo que o relatório aborda apenas os territórios continentais de Portugal e Espanha.

Lagostim-marmoreado. Foto: Lorenz Seebauer/Wiki Commons

Fora desta lista de risco muito elevado, a maioria dos vertebrados e plantas analisados pelos peritos foram considerados “altamente susceptíveis de serem introduzidos” em Portugal e Espanha. Uma outra espécie de azola (Azolla microphylla), a alga-pantanal-indiana (Hygrophila polysperma) e a carolina (Cabomba caroliniana) são três das plantas com valores de risco mais altos.

“Surpreendentemente, para muitos táxones suscetíveis de serem introduzidos no futuro, as suas vias de introdução permanecem até agora desconhecidas”, alertam também os autores do relatório, avançando que há por isso “uma necessidade urgente de continuar a fornecer conhecimentos sobre as vias de introdução das espécies suscetíveis de serem introduzidas e causar danos aos ecossistemas da Península Ibérica, a fim de implementar com sucesso acções de biossegurança”.

Quanto às recomendações finais, a equipa do LIFE Invasaqua sugere que se utilizem tanto a lista negra como a lista de alerta das espécies aquáticas invasoras “para apoiar as revisões e a implementação da legislação europeia, nacional e regional relevante”.

“A acção em relação às espécies invasoras é obrigatória pela legislação da União Europeia e é também alvo de legislação nacional”, nota Pedro Anastácio, que lembra que “aproximadamente 50% das espécies desta lista negra estão ausentes da legislação portuguesa e espanhola, recomendando-se a sua actualização”.

Outras medidas importantes apontadas são a melhoria dos requisitos europeus e nacionais para o seguimento e registo das espécies listadas e ainda a realização de novos estudos científicos sobre essas espécies, em especial as que têm um risco elevado ou muito elevado.


Agora é a sua vez.

E se alguém se deparar com uma das espécies que constam da lista negra e da lista de alerta? Pedro Anastácio aconselha que deve reportar essa observação ao Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas ou ao SEPNA/GNR, e/ou através de uma app de ciência cidadã para registos de espécies. O investigador sugere a app gratuita Invasive Alien Species da Comissão Europeia, que tem um módulo para a Península Ibérica desenvolvido pelo projecto LIFE Invasaqua.

Saiba mais.

Veja aqui o novo relatório. E descubra também algumas das espécies aquáticas invasoras que mais preocupam os investigadores portugueses, numa série publicada na Wilder em parceria com o LIFE Invasaqua.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.