Foto: Rias

Centros de recuperação de fauna: Nunca no Rias entraram tantos ouriços como agora

A quantidade destes pequenos mamíferos foi tão grande no início do ano que obrigou à criação de uma “Vila Ouriço” na sala de crias, explicou Vera Marques, membro da equipa deste centro algarvio, em entrevista à Wilder.

Entre os tratadores que trabalham no único local dedicado à recuperação de animais selvagens em todo o Algarve, tem sido grande a azáfama em torno dos pequenos ouriços-cacheiros que ali chegam a precisar de ajuda. Desde o início deste ano, 80 destes mamíferos “picudos”, incluindo 11 sem vida, deram entrada no Rias – Centro de Recuperação e Investigação de Animais Selvagens.

Janeiro e Fevereiro foram meses especialmente agitados, com a entrada de 29 ouriços no primeiro mês e outros 28 no mês seguinte, lembra Vera Marques, da área de Educação Ambiental e Divulgação do Rias. “Muitos deles eram bastante pequenos, exigindo que fizéssemos aquilo que fazemos melhor, que é improvisar. Na nossa sala de crias criámos uma ‘Vila Ouriço’ para manter todos os ouriços no mesmo espaço, assim como todo o material necessário para a sua recuperação.”

“Foi necessário dar ainda leite a alguns, e administrar antibióticos, ou fluídos sub-cutâneos a outros”, descreve a mesma responsável. “Cada ouriço-cacheiro tinha as suas necessidades clínicas, o que exigiu muita dedicação da nossa equipa.”

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Mas o que terá acontecido para uma afluência tão grande de crias nos primeiros meses deste ano? Os ouriços podem ter duas ninhadas por ano, sendo a última geralmente no Outono, “numa altura em que o alimento acaba por ser menos abundante”. E por isso, é provável que estes pacientes fossem “órfãos de Outono”, animais ainda jovens que ficam habitualmente “muito debilitados”.

Além das crias órfãs – encontradas fora das tocas, debilitadas e sem progenitores por perto – as outras causas principais de ingresso de ouriços no Rias têm sido os atropelamentos e a debilidade de animais já adultos adultos, afectados pela destruição dos espaços naturais onde vivem e pela falta de comida – caracóis, lesmas e vários insectos, como as borboletas.

A maior parte dos ouriços chegam ao Rias transportados por quem os encontrou. Por vezes, quando as pessoas não conseguem ali chegar, entregam os animais no posto da GNR mais próximo, e são depois entregues no centro pelas equipas SEPNA (Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente), que pertencem à GNR, ou pela equipa de recolha do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas.

Dos 80 que entraram este ano, alguns não sobreviveram e muitos já foram devolvidos à natureza. Neste momento está tudo mais calmo, com 12 aos cuidados da equipa.

De uma dezena para 126 ouriços

Mas se este ano está a ser grande o número de entradas, em 2022 a quantidade de ingressos já era também elevada: um total de 126 ouriços-cacheiros de Janeiro a Dezembro, sem comparação possível com uma dezena que ali chegaram em 2009, no primeiro ano de actividade. É claro que uma parte dessa diferença explica-se porque “cada vez mais pessoas conhecem o Rias” e ali trazem os animais, admite Vera Marques, mas outra causa será provavelmente o facto de haver “cada vez mais uma elevada proximidade entre estes mamíferos e as pessoas”.

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Apesar de serem considerados abundantes em território português e estarem classificados com um estatuto Pouco Preocupante, os ouriços são pouco estudados a nível nacional, indica o Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental.

No Reino Unido, por exemplo, onde há mais estudos científicos sobre a espécie, “é referida a predação excessiva de ouriços por raposas e texugos, a perda de habitat, a expansão urbana, e a simplificação da paisagem agrícola (intensificação e diminuição de sebes) como factores de ameaça às populações”, acrescenta o mesmo documento, publicado em Abril.

Certo é que estes animais têm mais actividade tanto na Primavera como no Verão. Por estes dias, descreve Vera Marques, “refugiam-se em vegetação durante o dia e andam activos em busca de alimento durante a noite”, enquanto que nos meses mais frios chegam a hibernar, pelo menos numa parte do país. “Aqui no Algarve, não parece haver propriamente hibernação desta espécie dadas as temperaturas mais amenas”.

Aliás, é sobretudo nestes meses mais quentes, indica o Livro Vermelho dos Mamíferos, que por se movimentarem mais os ouriços correm maior risco de serem atropelados.

Principais cuidados a ter

De facto, questionada sobre as principais medidas a tomar para a conservação da espécie, a responsável do Rias aponta, em primeiro lugar, a atenção que devemos ter na estrada: “É muito provável que todos já tenhamos visto ouriços atropelados no meio ou na berma da estrada. Por vezes, é impossível evitar o pior, mas se houver a hipótese de desvio em segurança, podemos fazê-lo.” 

Outra questão importante é que estes animais são silvestres, pelo que não devem depender dos humanos para conseguirem alimentos. “Deixar-lhes comida é aumentar a probabilidade de habituação. Para além disto, poderão ainda transmitir agentes patogénicos a animais domésticos, ou vice-versa”, sublinha.

Em terceiro lugar, caso alguém corte ou queime vegetação, “assegurar-se de que não há ouriços nas proximidades também é uma forma de minimizar possíveis problemas”. E finalmente, caso encontre um ouriço que precise de auxílio, a pessoa deve encaminhá-lo “o mais depressa possível até ao centro de recuperação de fauna selvagem mais próximo, e não mantê-lo em casa”, avisa. 

Desta forma, se mais cuidados destes começarem a ser adoptados, pode ser que os números de ouriços no Rias diminuam nos próximos tempos, e que já não seja necessária uma nova “Vila Ouriço” para tomar conta de tantas crias debilitadas.


Saiba mais.

Caso deseje, pode apadrinhar um dos ouriços-cacheiros acolhidos pelo Rias. “Os apadrinhamentos são uma das formas de apoiar o nosso trabalho e de contribuir para a recuperação do animal apadrinhado”, explica Vera Marques. “Poderão fazer o apadrinhamento para si mesmos, ou oferecer. É sempre uma prenda original e que permite o envolvimento na conservação da biodiversidade. E claro, serão convidados a participar na libertação do picudo afilhado, um momento incrível de testemunhar. Caso não possam estar presente, existe sempre a possibilidade enviar fotos e vídeos desse momento.”

Mas não é só no Algarve que o número de ouriços em centros de recuperação de fauna selvagem está a aumentar. O mesmo acontece no Centro de Recuperação de Animais Silvestres de Lisboa, como pode recordar nesta notícia da Wilder.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.