Borboleta bela-dama (Vanessa cardui). Foto: Vera Buhl/Wiki Commons

Cientistas descobrem que bela-dama é a maior migradora do mundo

Comum em Portugal, a borboleta bela-dama tem um nome enganador. É que apesar de lembrarem um insecto delicado, estas borboletas voam 12.000 quilómetros todos os anos por cima do deserto do Sahara, entre a Europa e a África tropical, numa rota partilhada com algumas aves.

 

A descoberta foi feita por um grupo de cientistas do Institut de Biologia Evolutiva (IBE), na Catalunha, e publicada a 13 de Junho na revista Biology Letters.

“Conhecem-se poucas espécies que realizem viagens anuais de longo alcance trans-saharianas e esta da bela-dama é o voo migratório de borboletas mais longo conhecido até à data”, afirma o IBE, num comunicado sobre o novo estudo.

Os cientistas já sabiam que a bela-dama partia da Europa para a África sub-sahariana no final do Verão, voando por cima do Mediterrâneo e do maior deserto quente do mundo. Mas até agora, desconheciam de que forma esta borboleta e os seus descendentes fazia o caminho contrário.

“A nossa hipótese era de que a espécie iniciasse uma migração inversa em direcção ao norte, a caminho da Europa na Primavera, completando assim um ciclo migratório regular”, refere um dos autores, Roger Vila.

 

uma borboleta bela-dama
Foto: HTO/Wiki Commons

 

Para confirmar essa teoria, os investigadores tentaram perceber onde tinham nascido as borboletas que chegam à região do Mediterrâneo todos os anos, no início da Primavera. Recolheram belas-damas em Marrocos, Espanha (Catalunha e Andalusia), na ilha de Creta, no Egipto e em Israel, e analisaram os isótopos estáveis de hidrogénio contidos nas asas.

Os isótopos são elementos químicos cujo núcleo contém um número diferente de protões e de neutrões. Nos isótopos estáveis de hidrogénio, na água, a relação entre protões e neutrões difere de acordo com a localização geográfica. Esta relação mantém-se nas plantas que absorvem a água e nas lagartas que delas se alimentam, tal como mais tarde nas borboletas adultas.

Analisando os isótopos estáveis de hidrogénio que encontraram nas asas de borboletas adultas, a equipa conseguiu perceber onde se tinham desenvolvido na fase de lagartas.

 

“Parece magia”

“É difícil estudar os movimentos dos insectos através da observação, marcação ou seguimento via rádio, uma vez que há milhões de indivíduos e são muito pequenos”, refere o autor principal do artigo, Gerard Talavera. “É por isso que acaba por ser extremamente útil descobrir onde cresceu uma borboleta antes da metamorfose, através da análise dos isótopos estáveis. Parece magia.”

 

borboleta bela-dama
Bela-dama (Vanessa cardui), por cima de cardos. Foto: Ferran Pestaña/Wiki Commons

 

Os cientistas perceberam também que a maior parte destas borboletas ficam a sul do Sahara durante o Inverno e que aquelas que voam para o Mediterrâneo são provavelmente os descendentes. No total, a distância anual percorrida por gerações sucessivas pode chegar aos 12.000 quilómetros, incluindo duas travessias do Sahara.

“Havia um debate científico sobre se a bela-dama fazia rotas migratórias regulares semelhantes às da borboleta monarca na América do Norte. Esta pesquisa revela o paralelismo numa adaptação evolucionária tão única”, concluem.

 

[divider type=”thin”]Agora é a sua vez.

A bela-dama (Vanessa cardui) é uma espécie comum no território português, que se avista em toda a parte mas não gosta de florestas. Os adultos costumam ser visíveis de Março a Outubro e são mais fáceis de observar quando se estão a alimentar nas flores. Alguns hibernam em Portugal.

As lagartas alimentam-se de várias plantas, em especial de cardos, dos quais as borboletas adultas também gostam de sugar o néctar. Por isso, aliás, a bela-dama é também chamada de vanessa-dos-cardos. A espécie é conhecida por ser uma das borboletas com maior distribuição geográfica, da América à Ásia e a África, incluindo a Europa. É uma borboleta grande, com uma envergadura de asa que pode chegar aos 7 centímetros.

Saiba mais e participe num novo projecto internacional de ciência cidadã que quer descobrir mais sobre a migração da bela-dama, lançado pela equipa de investigadores, aqui.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.