Clima mais quente está a abrandar crescimento populacional destas aves tropicais

Espécies de aves importantes para as florestas registam declínio das populações ligados à temperatura, revela estudo feito ao longo de 30 anos na Tanzânia.

As florestas montanhosas da Tanzânia ficam a mais de 9.000 quilómetros de Portugal. Mas, assim como em África, também as zonas naturais de Portugal dependem de uma diversidade de aves para dispersar sementes, alimentar-se de pragas e remover carcaças de animais mortos. As aves mantêm os ecossistemas saudáveis.

Por isso, se as aves na Tanzânia estão em perigo num clima cada vez mais quente, como descobriu um estudo recente de investigadores da Universidade de Utah (Estados Unidos), em Portugal deveríamos prestar atenção.

Num novo estudo publicado na revista Global Change Biology, Monte Neate-Clegg e os colegas analisaram dados populacionais de 21 espécies de aves ao longo de 30 anos de observações numa floresta montanhosa na Tanzânia.

Para mais de metade das espécies estudadas, o aumento da temperatura está correlacionado com declínios populacionais. 

Cinnyris usambaricus. Foto: Monte Neate-Clegg

Aves mais pequenas, bem como aquelas que vivem a menores altitudes, são as mais susceptíveis de um crescimento populacional mais lento.

“Se as alterações climáticas continuarem a causar declínios populacionais nas aves tropicais, estas espécies podem extinguir-se”, alertou, em comunicado, Neate-Clegg. “E o que está a acontecer às aves está, quase de certeza, a acontecer a outros organismos.”

Para explorar possíveis factores por detrás das tendências, os investigadores compararam tendências demográficas com tendências de precipitação e de temperatura.

Os declínios no crescimento da população, disse Neate-Clegg, devem-se mais a uma menor reprodução do que à mortalidade das aves. “Para sobreviver e se reproduzir, as aves precisam encontrar alimento e evitar predadores e parasitas”, acrescentou o investigador. “Se as alterações na temperatura afectarem qualquer um destes processos, isso afecta as aves.” O clima afecta a abundância de insectos, a actividade dos predadores ou o tempo de frutificação. Tudo isto pode afectar as aves negativamente, lembrou.

Três décadas na Tanzânia

Esta história começa com William Newmark, um biólogo conservacionista do Museu de História Natural de Utah. Em 1987 Newmark começou a recolher dados sobre as aves das montanhas Usambara no Nordeste da Tanzânia. Para isso, ele e os seus colegas instalaram redes para capturar e anilhar as aves.

“Muitas aves tropicais que vivem no sopé da montanha são fracos dispersores e por isso não têm a opção de escapar para outros locais perante mudanças ambientais. Assim, são excelentes indicadores das mudanças ambientais”, disse Newmark.

Chamaetylas fuelleborni. Foto: Monte Neate-Clegg

Em 2017, Neate-Clegg juntou-se ao projecto e em 2019 viajou até à Tanzânia onde ficou durante 10 semanas em trabalho de campo. “Choveu muito, o que tornou as coisas mais difíceis e o facto de estar tanto tempo isolado foi um desafio mental mas um bom treino para a pandemia!”, comentou Neate-Clegg. Mas estar na floresta “é sempre uma experiência mágica e gostei imenso de explorar as florestas e as montanhas”.

Trinta anos de observações de aves geraram uma boa base de dados, algo raro nos trópicos.  “Esta base de dados foi uma excelente oportunidade para testar sinais das alterações climáticas a longo prazo”, comentou o biólogo. “Historicamente, as florestas têm vindo a ser fragmentadas e agora também as alterações climáticas ameaçam estas espécies”, acrescentou. “Por isso este é um ecossistema mesmo importante para ser estudado, especialmente se considerarmos a pouca investigação que se faz em África comparada com outras regiões tropicais.”

As alterações climáticas são um fenómeno complexo, com vencedores e vencidos no reino animal, segundo Neate-Clegg.

“As aves presas em blocos de floresta montanhosa como nas montanhas de Usambara estarão entre os vencidos porque vivem em habitats isolados e não têm a opção de escapar ao aumento da temperatura.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.