Foto: Programa de Conservação Ex-situ/Arquivo

Entrevista: Pedro Sarmento espera mais de 100 linces nascidos na natureza em Portugal este ano

O coordenador e responsável técnico do programa in situ para o lince-ibérico explicou à Wilder qual a situação desta espécie na natureza e o que está a acontecer no terreno.

WILDER: Quantos indivíduos se estimam existirem em Portugal, nomeadamente quantas fêmeas reprodutoras?

Pedro Sarmento: Os dados de 2023 indicam 191 linces com mais de um ano e 97 crias, o que dá um total mínimo estimado de 288 indivíduos. Foram também identificadas, para 2023, 37 fêmeas reprodutoras (mais seis do que em 2022).

W: Qual a expectativa para esta época reprodutora?

Pedro Sarmento: A tendência de aumento de fêmeas reprodutoras deverá continuar, esperando-se que sejam cerca de 40 ou um pouco mais, com nascimentos que deverão ultrapassar os 100 exemplares.

W: De que forma é feito o acompanhamento dos linces na natureza, em específico nesta época reprodutora?

Pedro Sarmento: A monitorização dos linces na natureza é feita utilizando quatro técnicas. Primeiro, a foto-armadilhagem. Esta é a técnica mais usada e que fornece a maior informação, sendo feita de forma sistemática ao longo do ano. Anualmente são utilizadas cerca de 800 estações de foto-armadilhagem, distribuídas uniformemente na área ocupada pela espécie. Normalmente, cada estação tem uma câmara, mas em cerca de 40% são colocadas duas câmaras opostas para se registar, simultaneamente, os dois flancos dos indivíduos. Como os linces são identificados através dos padrões únicos de pigmentação da pelagem, imagens dos dois flancos dão a informação completa. Com base nesta técnica consegue-se estimar o tamanho populacional, a sobrevivência e os nascimentos. Depois, a recolha de excrementos para análise de DNA. Esta é uma técnica complementar à foto-armadilhagem e pode ser usada em locais onde, por vários motivos, não se possa usar a foto-armadilhagem. Também serve para comparar resultados e identificar indivíduos que não foram detetados por foto- armadilhagem. Temos ainda o radiosseguimento. Atualmente existem na natureza 14 linces equipados com colares, 11 dos quais com o inovador sistema LoRa. Esta técnica é importante para se determinar dimensões de territórios, causas de mortalidade, relações entre indivíduos, seleção de habitat, definição de corredores de dispersão e impactos resultantes do tráfego das estradas. Relativamente a este último tópico, a ligação experimental do sinal dos emissores LoRa à aplicação Waze tem servido para avisar os condutores para a proximidade a determinadas vias de comunicação de linces marcados – EN 122, EN 123, EN 267 e IC 27. E por fim, as capturas. São executadas nos últimos três meses de cada ano e servem para monitorizar a população do ponto de vista sanitário, realizar a vacinação, a marcação de linces com colares emissores e a identificação de novos indivíduos. Relativamente à monitorização da reprodução, pode ser feita com o sistema LoRa (as fêmeas quando parem exibem movimentos típicos), mas é essencialmente feita com foto-armadilhagem, procurando-se ter sempre três estações ativas por cada território de fêmea identificado.

    W: Quais as regiões onde se fixaram linces? Ainda se mantêm os concelhos de Serpa, Mértola, Castro Verde e Alcoutim?

    Pedro Sarmento: Em termos de territórios com reprodução, existem linces nesses concelhos e ainda no concelho de Almodôvar. Existe um lince isolado no concelho de Castelo Branco e pelo menos dois em Ferreira do Alentejo.

    W: Qual a situação da consolidação da população no Algarve?

    Pedro Sarmento: A população do Algarve, em 2023, era composta por 42 linces, dos quais sete eram fêmeas reprodutoras. Houve um aumento de cerca de 35% face a 2022 e a população tem estado a expandir para sul, atingido o seu limite na envolvente da barragem de Odeleite, onde existe uma fêmea reprodutora.

    W: Em que fase estão os trabalhos para identificar a nova área de reintrodução de linces, no âmbito do projecto LIFE Lynxconnect?

    Pedro Sarmento: Os trabalhos de avaliação continuam a ser executados, particularmente no que diz respeito à abundância de coelho-bravo, mas ainda não há uma área escolhida.

    W: E precisamente quanto ao coelho-bravo, como estão os níveis populacionais desta espécie-presa para o lince?

    Pedro Sarmento: Na área ocupada pelos linces, especialmente nas áreas de reprodução, os quantitativos de coelho-bravo encontram-se em níveis que poderão assegurar a continuidade da espécie, embora ao longo dos anos haja oscilações de abundância que estão, acima de tudo, relacionadas com as condições climatéricas e o seu efeito no sucesso reprodutor. Espera-se que o projeto LIFE Iberconejo, em curso, entre Portugal e Espanha, produza orientações claras e uniformes para se atuar subsequentemente em termos de gestão ativa e monitorização.

    W: Em que ponto está a actualização do Plano de Ação para a Conservação do Lince-ibérico (PACLIP), que terminou em 2020?

    Pedro Sarmento: A nova versão do PACLIP está a ser elaborada no âmbito da respetiva Comissão Executiva, que integra um amplo conjunto de representantes de diversos organismos que têm um papel relevante na conservação da espécie. Os trabalhos estão praticamente concluídos, prevendo-se que o documento possa vir a ser publicado em Diário da República ainda em 2024.

    Helena Geraldes

    Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.