Pardela-Balear. Foto: Jorge Meneses

Está a começar na ZPE Aveiro-Nazaré projecto para conservar a ave marinha mais ameaçada da Europa

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Em Portugal, a maior ameaça para a pardela-balear, espécie Criticamente Em Perigo de extinção, é a captura acidental em artes de pesca. Saiba o que vai ser feito até 2025 para travar essa ameaça na área mais importante para a espécie do nosso país, a ZPE Aveiro-Nazaré.

Todos os anos, milhares de aves marinhas morrem nas redes de pesca em Portugal. Entre elas está a pardela-balear (Puffinus mauretanicus), ave castanha-escura rechonchuda, com uma “capacidade de voo e de enfrentar condições climatéricas adversas soberbas”, salienta o portal Aves de Portugal.

Foto: Joana Bores

Esta é uma espécie Criticamente Em Perigo em Portugal. Em todo o mundo restam apenas 3.200 casais reprodutores; se juntarmos a este número os indivíduos imaturos, a população global estará entre os 20.000 e os 30.000 indivíduos.

Em Portugal, a captura acidental em artes de pesca “é, com certeza, a maior ameaça à pardela-balear”, disse hoje à Wilder Joana Andrade, coordenadora do Departamento de Conservação Marinha da SPEA (Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves), no dia em que foi apresentado oficialmente o projecto LIFE PanPuffinus!. Este junta Portugal, Malta, Grécia, França e Espanha para proteger duas espécies de pardelas ameaçadas (pardela-balear e a pardela-do-mediterrâneo). O projecto em Portugal será dirigido à pardela-balear na Zona de Protecção Especial (ZPE) Aveiro-Nazaré.

As capturas acidentais acontecem principalmente entre Maio e o Outono, quando as aves saem do Mediterrâneo (quando acaba a reprodução) e ficam em águas portuguesas para passar o Inverno.

Segundo a SPEA, 8,2% da população portuguesa de pardela-balear morre, por ano, em captura acidental. “Os eventos de capturas acidentais (bycatch) são muito pontuais mas quando acontecem afectam um grande número de aves”, explicou Joana Andrade, sobretudo porque as pardelas andam em bandos. E se a percentagem pode não parecer significativa, é relevante, “porque se trata de uma população pequena”.

Pardela-Balear. Foto: Jorge Meneses

As artes de pesca mais prejudiciais à pardela-balear são as redes de emalhar (paredes de rede que ficam submersas durante algum tempo) e as redes de cerco (redes lançadas pelas embarcações quando detectam um cardume de grande dimensão e que depois fazem um percurso circular até fechar essa espécie de bolsa).

Ao mergulhar para se alimentarem de peixe, estas aves podem ficar presas nas redes e morrer afogadas. Joana Andrade especificou que, nas redes de cerco, as capturas se centram quando a bolsa está a fechar-se e a rede é içada. Quase sempre quando os pescadores içam as redes, estas aves já estão mortas.

O projecto LIFE PanPuffinus! – orçado em cerca de 445.000 euros para Portugal, sendo co-financiado a 60% pela Europa (cerca de 267.000 euros), cabendo à SPEA garantir os restantes 178.000 euros – começou oficialmente em Setembro de 2020 e vai estar no terreno até 2025. Em Portugal, as acções começaram em Janeiro de 2021.

Foto: Nuno Barros

“Começámos com os inquéritos nos portos de pesca da Figueira, Nazaré e Aveiro a mestres das embarcações das artes de emalhar e de cerco – para saber que aves são capturadas e quando, por exemplo – e com as reuniões com associações de pescadores, com as capitanias e com a DGRM (Direcção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, do Ministério do Mar) para lhes dar a conhecer o projecto”, explicou Joana Andrade.

O objectivo do projecto é envolver 150 pescadores, fazer monitorização de capturas acidentais de pardelas-baleares em 15 embarcações e testar medidas de mitigação em nove embarcações.

Ainda em Junho ou Julho começarão os embarques com observadores da SPEA a bordo das embarcações pesqueiras, que procuram peixes como a sardinha e o carapau. Estes técnicos vão monitorizar as interacções das aves com as artes de pesca e finalmente ver em conjunto com os pescadores que medidas se podem testar. Esta fase da recolha de dados nas embarcações deverá durar dois anos.

O projecto prevê estudar duas medidas diferentes, que podem conseguir evitar que as aves se aproximem nas fases mais perigosos da pesca, e depois avaliar se estas são eficazes ou não. Uma das medidas pode ser o “papagaio afugentador”. Segundo a SPEA, esta é “uma espécie de papagaio de papel em forma de ave de rapina que, na zona das Berlengas, se tem mostrado eficaz e popular entre os pescadores, para quem a captura acidental de aves causa prejuízos em termos de equipamentos danificados, iscos ou peixe perdido, e tempo passado a retirar aves das redes, linhas e anzóis”. 

E há medidas que não precisam de financiamento, “são comportamentais”, salientou Joana Andrade. E deu exemplos. “Quando as redes são mal lavadas e ficam com restos de peixe e são de novo lançadas ao mar isso atrai mais aves marinhas. Também se pode ajustar o tempo que as redes estão no mar. Mas a ideia é que estas medidas não reduzam a quantidade de peixe capturado pelos pescadores.”

Outras medidas serão a formação dos formadores de pescadores e a sensibilização dos pescadores para reportarem eles mesmos os resultados dos testes de medidas e a monitorização das capturas acidentais nos logbooks electrónicos ligados à DGRM. 

Além disso, “vamos continuar a fazer censos de mar nesta ZPE, dirigidos à espécie, nos quais durante quatro dias estaremos a percorrer a área em ziguezague. O objectivo é actualizar o uso que a espécie faz desta ZPE”, acrescentou a especialista. As primeiras campanhas para os censos marinhos na zona serão em Setembro/Outubro.

Até ao final deste projecto, a SPEA prevê actualizar o Atlas das Aves Marinhas, de 2015.

Em terra, os técnicos do projecto vão fazer transectos nas zonas costeiras à procura de aves arrojadas, incluindo as aves com evidências de capturas devidas às artes de pesca.

A ZPE Aveiro-Nazaré

O LIFE PanPuffinus! decorre numa zona muito específica, a Zona de Protecção Especial (ZPE) de Aveiro-Nazaré.

“O projecto decorre ali porque é onde ainda há pouco trabalho quanto à avaliação das medidas de prevenção deste problema e onde há maior a densidade de pardelas-baleares em Portugal”, explicou Joana Andrade. Na verdade, quase metade da população portuguesa (42%) usa esta ZPE fora da época de reprodução, entre Junho e Outubro, ou seja, 10.000 pardelas. Na primavera, essa percentagem baixa para 4%.”

Foto: Nuno Oliveira

“Ali as aves encontram melhores condições, há uma grande produtividade na área, o que atrai esta ave que se alimenta de peixes como a sardinha, a anchova e o carapau.”

Esta ZPE foi criada em Agosto de 2015 para proteger a pardela-balear. E para colmatar uma lacuna. Segundo o diploma do Conselho de Ministros que aprovou esta zona, a rede de ZPE portuguesa não incluía, até então, as zonas de alimentação e repouso usadas pela população de pardela-balear durante os períodos de migração e invernada.

“Foi um passo muito importante mas que demorou a acontecer”, comentou a conservacionista. Desde 2008 que aquela zona estava identificada como sendo importante para a conservação da ave marinha, quando do projecto LIFE IBA Marinhas.

O problema é que nada mudou desde 2015 naquela zona no que se refere à conservação da pardela-balear. “O problema desta ZPE e das outras criadas na mesma altura, é que não tem planos de gestão implementados. Não tem medidas de conservação, nem de monitorização. Está apenas no papel.”

Ainda assim, aquando da aprovação da criação da ZPE Aveiro-Nazaré m 2015, já estavam definidos os planos de gestão, que listavam as ameaças, as espécies mais afectadas por cada ameaça e as medidas de conservação. “Só falta fazer. É tudo muito lento. Acreditamos que este projecto vai ajudar a impulsionar a necessidade do país reconhecer o problema.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.