Cagarro. Foto: Hobbyfotowiki/WikiCommons

Mais de 90% das crias desta ave têm plásticos no estômago mesmo antes de saírem dos ninhos

Investigadores descobriram que mais de 90% dos juvenis de cagarro, quando abandonam o ninho, já têm partículas plásticas nos seus estômagos. Esta ave marinha que nidifica em Portugal e em Espanha está a ser usada para avaliar o problema do lixo plástico a flutuar no Atlântico Norte.

“O facto destes juvenis conterem plásticos nos estômagos, mesmo antes de se alimentarem por si próprios, indica que os plásticos são ingeridos durante o processo de alimentação pelos progenitores, durante o seu crescimento no ninho”, explica, em comunicado, o Instituto OKEANOS, da Universidade dos Açores.

Cagarro. Foto: Hobbyfotowiki/WikiCommons

Essa percentagem – que representa um dos valores mais altos encontrados, quando comparado com outras espécies de cagarros em outras regiões – é o resultado de uma investigação que incluiu a necropsia a mais de 1100 juvenis de cagarro (Calonectris borealis).

Estas aves tiveram morte natural ou acidental e a equipa reforça que não foi usada nenhuma prática invasiva para a recolha dos dados. Os juvenis de cagarro utilizados na recolha de dados para este estudo são as aves que não sobrevivem aos seus primeiros voos desde o ninho até ao mar, afectadas que são pela poluição luminosa em zonas urbanas. Ficam desorientadas e, eventualmente, caem no chão.

Desde 2015 que os investigadores do grupo do lixo marinho do Instituto OKEANOS têm vindo a recolher os cadáveres de cagarros juvenis para posterior análise dos conteúdos estomacais, numa parceria com a Direção Regional de Políticas Marítimas e os vigilantes da natureza dos Serviços de Ambiente e Alterações Climáticas do governo regional.

O estudo inclui ainda uma análise espacial graças aos dados de cagarros recolhidos nas Canárias por investigadores do Museu Nacional de Ciências Naturais (MNCN-CSIC) e do Grupo de Ornitologia e História Natural das ilhas Canárias (GOHNIC).

Cagarro, ilha Terceira, Açores. Foto: José Luís Ávila Silveira/Pedro Noronha e Costa/WikiCommons

De acordo com o estudo, publicado na revista “Environment International”, os resultados desta investigação podem dar “informações fiáveis para apoiar a ação política regional, nacional e internacional em áreas do Atlântico Norte que atualmente não dispõem de uma espécie indicadora eficaz sobre o estado da contaminação por plástico no ambiente marinho”.

Até agora, apenas o fulmar do Norte (Fulmarus glacialis) tem sido usado, desde há 20 anos, como bioindicador de lixo marinho flutuante no Atlântico Norte. Ou seja, os pequenos fragmentos de plástico que flutuam nos oceanos, geralmente resultado da degradação de objetos de maior tamanho.

O fulmar é uma ave marinha aparentada com os cagarros. Mas a distribuição desta espécie não abrange os mares do sul da Europa, o que implica que para estas zonas ainda não há informação comparável àquela obtida através do fulmar do Norte, nomeadamente abundância, tipologia e tendências de plástico flutuante no ambiente marinho.

“Assim, foi provado que o cagarro é um bom bioindicador, comparável ao fulmar do Norte, para esta pressão antropogénica nas regiões marinhas para além da área de distribuição daquela espécie boreal. Este estudo foi realizado durante dez anos e veio preencher uma lacuna na monitorização oceânica.”

Ninho de cagarros. Foto: José Lemos Silva/WikiCommons

Segundo explicou Christopher Pham – do Instituto OKEANOS, supervisor do estudo e investigador responsável pela equipa que estuda os impactos do lixo marinho no bom estado ambiental do oceano – “os juvenis vítimas da poluição luminosa oferecem uma amostra não invasiva, facilmente acessível, o que os torna cientificamente úteis, a longo prazo, para programas de monitorização do lixo marinho”.

Os investigadores prevêem que o problema ambiental de introdução de plásticos nos ecossistemas marinhos esteja em expansão, uma vez que a produção e o uso de plásticos “continuam a crescer exponencialmente e que as medidas de gestão deste material após a sua utilização são ainda muito deficientes”.

A equipa pede “vigilância constante e a implementação de medidas sonantes que mitiguem o desastre ambiental a que estamos a assistir”.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.