Reconstituição de uma cena no Cretácico Inferior, há cerca de 130 milhões de anos. Imagem: Nanging institute of Geology and Palaeontology

No tempo dos dinossauros os mosquitos machos também chupavam sangue, ao contrário de hoje

Pedaços de âmbar encontrados no Líbano continham mosquitos com características invulgares que foram analisadas por uma equipa internacional de investigadores. Os resultados foram agora publicados.

Se for picado por um mosquito hoje em dia, é certo que o responsável é uma fêmea, pois os machos destes insectos apenas se alimentam de néctar e de outros fluídos de plantas. Até mesmo as fêmeas só embarcam neste comportamento de risco – muitas morrem esmagadas por uma palmada – quando necessitam de um aporte suplementar de proteínas para amadurecerem os ovos.

Mas nem sempre terá sido assim, considera uma equipa internacional de investigadores, que analisou os dois mosquitos mais antigos encontrados até hoje, preservados em pedaços de âmbar encontrados no Líbano, no Médio Oriente. Ambos são machos e pertencem à mesma espécie, baptizada de Libanoculex intermedius, e possuem partes da boca com “mandíbulas excepcionalmente afiadas, denticuladas e alongadas” e também “lacínias denticuladas”, descreve o artigo publicado na revista científica Current Biology. As lacínias, uma peça bucal situada sobre as mandíbulas, são uma parte importante do processo de alimentação dos insectos.

Um dos fósseis de macho de mosquito preservados em âmbar e analisados pelos investigadores, baptizados com o nome científico Libanoculex intermedius. Foto: Dany Azar

“Acreditamos agora que, na sua origem, o mosquito poderia ser chupador de sangue”, afirmou ao The New York Times o primeiro autor do artigo, Dany Azar. “Com o aparecimento das primeiras plantas com flor, esta função poderá ter sido esquecida mais tarde, durante a evolução destes insectos”, acrescentou este paleontólogo do Nanjing Institute of Geology and Palaeontology, ligado à Academia Chinesa de Ciências, e da Universidade do Líbano.

Com efeito, os dois exemplares agora descritos para a ciência remontam ao Cretácico Inferior, há cerca de 130 milhões de anos, quando os dinossauros reinavam na Terra e as primeiras plantas com flor – conhecidas com plantas angiospérmicas – estavam a ficar mais comuns, incluindo em Portugal. Estes investigadores acreditam que a disponibilidade de mais néctar terá levado os machos a deixarem de ser hematófogos, ou seja, a deixarem de se alimentar do sangue de outros animais.

Imagem: Nanging institute of Geology and Paleontology

Até agora, sabia-se que a família Culicidae, o grupo taxonómico dos mosquitos, terá tido a sua origem durante o período Jurássico, há cerca de 180 milhões de anos. No entanto, esse conhecimento deve-se apenas a análises genéticas, uma vez que os mais antigos exemplares já encontrados remontavam a mais 100 milhões de anos atrás, no período Cretácico Médio, e tinham os aparelhos bucais iguais aos machos e fêmeas de hoje.

A nova descoberta vem acrescentar mais uma peça ao puzzle da origem dos mosquitos e à forma como se tornaram hematófogos, uma linha temporal ainda muito mal conhecida devido à falta de fósseis bem preservados.

No futuro, a equipa vai tentar descobrir mais “sobre a ‘utilidade’ de haver hematofagia em mosquitos do Cretácico inferior” e também perceber “porque é que isso hoje já não acontece”, concluiu Andre Nel, outro dos investigadores envolvidos neste estudo, numa note de imprensa do Museu Nacional de História Natural de Paris, onde trabalha.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.