Novo documentário de Luís Quinta revela os animais do mar “às portas de Lisboa”

O documentário “Mar da Minha Terra – Almada Atlântica” é o mais recente trabalho deste fotógrafo de vida selvagem e demorou cinco anos a fazer. Poderemos vê-lo na SIC ainda este ano.

 

São 46 minutos de vida selvagem, numa celebração do mundo natural em que os protagonistas são os animais, que desfilam em cenários e habitats inspiradores.

Tudo se passa no mar que banha Almada, em águas atlânticas.

“Este filme revela inúmeras histórias de vida, primeiro junto da costa, e depois a milhas da praia”, disse Luís Quinta, 55 anos, à Wilder. “O filme tem início na orla costeira, onde milhares e milhares de pessoas fazem praia durante muitos meses do ano e não sabem, nem sonham, a diversidade de seres vivos que as rodeia, ou que navega a dois ou três quilómetros da costa.”

Entre essa diversidade que foi agora captada pelas lentes de Luís Quinta estão dezenas e dezenas de espécies, desde animais minúsculos – “como o plancton (o mais pequeno, uma larva de craca com 0,2mm)” – até à segunda maior baleia do planeta, a baleia-comum que pode atingir os 25 metros de comprimento.

 

Tubarão-azul

 

A ideia de fazer este documentário surgiu em 2013, ano em que Luís Quinta fez um filme de história natural em co-autoria com o fotógrafo de vida selvagem Ricardo Guerreiro com o apoio da Câmara Municipal de Almada, “Almada – entre o rio e o mar”.

“No final da produção, e pelo meu conhecimento na zona, pensei que todo aquele mar merecia mais atenção. Durante várias saídas de mar vi muita coisa fantástica, que não conhecia e que merecia mais investigação, mais detalhe, mais trabalho.”

 

Gerir frustrações

As primeiras imagens para este documentário, que conta com o apoio da Câmara Municipal de Almada, começaram a ser captadas em 2016; as últimas aconteceram em 2019. Entre uma data e outra, o realizador escreveu as histórias que queria filmar, investigou e falou com pescadores, biólogos e outras pessoas que conhecem histórias de vida marinha naquela região.

As filmagens a sério começaram em 2017. “Foi um bom ano de filmagens”, comentou. “Tive bastantes oportunidades de captar detalhes, comportamentos, avistamentos inesperados e únicos.”

Graças a material de alta definição e equipamento diferente e especializado para cada ocasião – câmaras diferentes, caixas estanques, objectivas, iluminação, tripés, microfones – Luís Quinta procurou conseguir uma narrativa visual rica, com uma grande variedade de planos. “Isto exigiu muita filmagem, muita produção e técnicas para captar ângulos diferentes, a intimidade dos animais.”

 

Tubarão-azul

 

Apesar de ter filmado sozinho praticamente todo o documentário, Luís Quinta teve ajuda. Por exemplo, “na zona costeira foram os meus dois filhos que me ajudaram em diversas ocasiões.” No mar alto, trabalhou com um amigo de longa data que tem uma empresa de observação de vida selvagem marinha a operar neste território, saindo de Lisboa.

Qualquer documentário de vida selvagem tem os seus desafios e este não é excepção. “Posso dizer que fiz um ‘doutoramento’ em gestão de frustração. Trabalhar nesta zona da costa portuguesa é muito ingrato. Tipicamente tem ventos e ondulações regulares e a água é inúmeras vezes turva e fria”, contou.

Nos dias de mar calmo e sem vento, “a água muitas vezes está verde. Não vejo sequer as barbatanas (dois metros de visibilidade). Quando tudo se alinha – mar tranquilo, águas cristalinas, azuis, sem vento – não aparecem os animais. Dias de sonho em que não encontro os meus sujeitos para os filmar, fazemos milhas e milhas de barco e não encontramos nada de relevante… É uma frustração medonha.”

Todo este trabalho é feito por Luís Quinta, com o capitão Vasco ao leme do barco. “Não temos vigias em terra nem outras ajudas para encontrar esta fauna pelágica. Tudo depende das nossas opções, leituras de indícios no mar, de encontrar pistas no vasto oceano.”

 

Uma biodiversidade enorme à porta de casa

O mar atlântico de Almada tem uma “biodiversidade enorme”, diz Luís Quinta. De tal forma que pretende continuar a contar as suas histórias e as das suas espécies.

“Para quê ir para outro lado do planeta filmar animais que tenho aqui ao pé de mim? É um prazer enorme filmar baleias às ‘portas de Lisboa’ ou micro plancton absolutamente incrível na praia onde conheci o mar.”

Esta é, aliás, a explicação para o título dado ao documentário. “As pessoas falam muito das suas terras, da riqueza biológica do seu território. Por que não falar do mar que tenho à porta de casa, o Mar da Minha Terra?”

Ao longo da sua vida profissional como fotógrafo, Luís Quinta percorreu inúmeros locais do planeta para fotografar diferentes animais marinhos. “Nos últimos anos dediquei mais atenção ao mar que tenho aqui nos arredores de casa. Fiquei impressionado com a quantidade de mamíferos marinhos e toda a mega fauna dos oceanos que passa aqui em frente, em migração.”

 

 

É difícil dizer o que mais o fascina. Segundo Luís Quinta, “os animais pelágicos têm sempre um fascínio especial, quer pelas suas vidas misteriosas, quer pelo tamanho de muitos deles, quer pelos momentos fugazes que são os encontros com muitos destes seres vivos.” Mas “o plancton é um universo verdadeiramente fascinante, quer pelas formas de alguns animais, quer pelas suas vidas misteriosas! Fico dividido entre o minúsculo e o desconhecido, como a megafauna surpreendente.”

Valorizar a riqueza do nosso património natural, que “está mesmo à nossa frente”, é um dos grandes objectivos deste documentário, explica o naturalista.

Também vê nele uma “ferramenta educativa”. “Além de se verem animais fantásticos, detalho comportamentos, simbioses, predação, reprodução, migração, entre muitos outros detalhes ecológicos.”

E, não menos importante, trabalhar perto de casa tem uma reduzida pegada ecológica. “A pegada ecológica tem cada vez mais peso nas minhas decisões.”

Tanto mais que Luís Quinta sente que “ainda há muito por fazer”. “Não me faltam ideias, já tenho algumas filmagens recentes, absolutamente incríveis, à espera de uma nova produção.”

 

[divider type=”thick”]Perfil do naturalista:

WILDER: O que fazes?

Luís Quinta: Actualmente fotografo e filmo o mundo natural, para partilhar as maravilhas naturais de Portugal.

 

W: Onde e quando começaste?

Luís Quinta: Os primeiros mergulhos com máscara e tubo foram em Sesimbra em 1979. Comecei a fotografar debaixo de água em 1989 e a filmar em 1994. Tudo isto foi evoluindo cada vez mais e fui estudando melhor todas estas áreas técnicas da imagem, bem como o mundo natural onde ia trabalhando. Durante anos acompanhei inúmeros biólogos, campanhas oceanográficas, trabalhos de campo, laboratório, expedições, entre muitos outros ambientes de trabalho que me ajudaram a conhecer melhor o mundo natural.

 

W: Como aprendeste a fazer o teu trabalho?
Luís Quinta: Toda a minha formação é pelo lado das artes, cursos de fotografia e cinema. Desde muito cedo, em 1992, comecei a visitar festivais internacionais de imagem em vários países da Europa, onde aprendi muito, conheci muitas pessoas do meio, além de frequentar vários workshops nesses festivais que visitei. Ainda hoje vou a festivais além fronteiras, para conhecer mais pessoas, novos equipamentos, tendências, técnicas. A internet é boa para aprender, mas conhecer o criador, os processos criativos é mais fácil ao vivo e com os autores.

 

W: Quando começaste, o que pensavas que querias fazer?
Luís Quinta: Pensei que um dia estaria a fazer reportagens para revistas e jornais e documentários para televisão sobre o mundo natural. Os sonhos realizaram-se, mas tive de trabalhar muitíssimo. A actualidade digital é um “mundo” muito diferente do anterior, sem internet, em que se fotografava sem ver os resultados no instante, etc. etc. etc. Ir mergulhar ao Banco Princesa Alice nos Açores era quase como fazer uma expedição em África. Ia para o fundo do mar e fazia 36 exposições num rolo de diapositivos que revelava e via as imagens três semanas depois! Hoje vejo o que faço em segundos e melhoro o que pode ser corrigido ou afinado.

 

W: O que ainda te falta descobrir?
Tanta coisa… 80% do Oceano é mar profundo. Aqui ao pé de casa tenho o Canhão de Lisboa, que ali perto do Cabo Espichel atinge os 1000m de profundidade. O que estará por ali desconhecido a 30 km de Lisboa? O plancton? A mega fauna que passa aqui nos arredores e que nem sonhamos! Tenho ouvido histórias de mar aqui pela vizinhança de ficar de boca aberta! Há um “El Dourado”… que um dia pode ser revelado! O que me falta mesmo descobrir é financiamento para tantas ideias e projectos. Temas e sujeitos é o que não falta para trabalhar.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.