Lobo-ibérico. Foto: Daniel Allen

Novo estudo indica que muitos ataques a gado são obra de cães errantes, não de lobos

Equipa de investigadores portugueses, que comparou a dieta dos dois mamíferos a sul do Douro, concluiu também que a dieta do lobo-ibérico é mais variada do que se pensava.

A equipa de investigadores analisou os dados obtidos em duas fontes diferentes: 107 excrementos de lobo e 95 excrementos de cão, recolhidos regularmente entre 2014 e 2022 no âmbito de projectos dedicados à espécie, e os dados de DNA encontrados em saliva recolhida na sequência de 40 ataques a gado registados entre 2019 e 2021, que permitiram confirmar que espécie de predador se tinha alimentado das carcaças dos animais.

Os resultados, publicados na revista científica European Journal of Wildlife Research, mostram que os cães foram os únicos predadores detectados na maioria dos ataques (62%), “um dado surpreendente que revela o papel altamente influente que estes poderão ter no agudizar de conflitos entre comunidades locais e o lobo-ibérico, uma vez que o lobo é muitas vezes presumido como autor dos ataques por defeito”, indica um comunicado da Rewilding Portugal, que fez parte deste estudo liderado pela Universidade de Aveiro. A análise dos excrementos mostrou ainda que os cães são também possíveis predadores de animais silvestres.

Muitos desses cães são cães de caça e de estimação que foram abandonados, mas também existem animais com dono que têm permissão para vaguear livremente devido às suas funções, como acontece com os que pastoreiam o gado.

“Existe uma necessidade urgente de aplicação mais forte da legislação relativa à propriedade de cães, por parte das autoridades, de forma a que se reduza o número de cães errantes que têm dono”, concluem os autores do artigo científico, que apelam também a “formas alternativas de recolher, realojar e, em último caso, de controlar a população de cães arrantes”.

Foto: Creative Commons

Por outro lado, os investigadores descobriram que tem sido mais variada do que se pensava a dieta dos lobos na parte oeste a sul do Douro, que se estende pelas serras da Freita e Arada e de Montemuro, nos distritos de Aveiro e Viseu. Em causa está o consumo de javalis e de corços detectado nos excrementos analisados, o que reflecte “a quantidade crescente desses ungulados selvagens”, mas também “práticas de pastorícia eficientes que parecem estar a levar os lobos para que persigam as suas presas naturais”, afirmam os investigadores.

“Isto supõe um importante resultado de sucesso para a conservação, pois é fruto não só da expansão natural do javali e o corço, mas também de programas de reintrodução de corço e do aumento das medidas de prevenção de prejuízos, apoiadas por vários programas e projetos de conservação do lobo, incluindo o LIFE WolFlux”, acrescenta em comunicado a Rewilding Portugal.

O estudo dividiu a área a sul do Douro onde é conhecida a presença do lobo-ibérico em três partes principais: a oeste, as áreas das serras da Freita e Arada e de Montemuro (distritos de Aveiro e Viseu), onde há três alcateias; uma área mais central, na zona de Aguiar da Beira e da Mêda (distrito da Guarda), onde há registo de outras três alcateias de lobo; em terceiro uma zona mais próxima da fronteira, apanhando o vale do Côa e partes das áreas do Douro Internacional e das serras da Estrela e Malcata, onde há uma presença “irregular” destes mamíferos.

Cabras, coelhos, lebres e javalis na dieta

A análise de excrementos destacou também as cabras como a presa mais consumida pelo
cão em todas as regiões analisadas, seguindo-se os lagomorfos (coelhos e lebres), os
pequenos mamíferos e o javali. Os lobos alimentam-se principalmente de cabras e
javalis no oeste, enquanto na região central se alimentam principalmente de aves,
sendo provável que este elevado consumo advenha de carcaças de animais que são
descartadas pelas explorações na zona. “A sobreposição de dietas entre ambos os
canídeos foi muito elevada, demostrando um elevado potencial para competição por
recursos.”

Em Portugal, o lobo-ibérico está classificado como Em Perigo de extinção pelo Livro Vermelho dos Mamíferos, publicado este ano, que aponta para a existência de cerca de 300 animais divididos em 50 a 60 alcateias, distribuídas a norte e a sul do rio Douro.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.