Borboleta almirante-vermelho (Vanessa atalanta). Foto: Erik Karits/Pixabay

O genoma das borboletas pouco mudou desde o tempo dos primeiros dinossauros, indica novo estudo

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Cientistas compararam mais de 200 genomas de espécies de borboletas diurnas e noturnas e concluiram que estes pouco mudaram desde o último antecessor comum aos dois grupos, há 250 milhões de anos.

Foi nesta fase da história da Terra, conhecida como o período Triássico [ocorrido entre há 252 milhões até 201 milhões de anos atrás], que terão surgido também os primeiros dinossauros, mas ainda não havia aves nem plantas com flor. As coníferas, os fetos e musgos eram as espécies botânicas mais comuns e existia um único super-continente, Pangeia.

Ainda assim, já voavam na natureza os antecessores comuns das borboletas diurnas e noturnas, cujos cromossomas terão sido bastante semelhantes aos lepidópteros de hoje em dia, indica um novo estudo científico, publicado esta quarta-feira na revista Nature Ecology and Evolution.

“Esta estabilidade existe apesar da incrível diversidade observada hoje nos padrões das asas, tamanhos e ainda das formas das lagartas de mais de 160.000 espécies a nível mundial”, descreve em comunicado o Wellcome Sanger Institute, em Cambridge, que liderou a investigação em parceria com a Universidade de Edimburgo. O objetivo deste estudo foi compreender melhor a história evolutiva das borboletas.

Borboleta-carnaval (Zerynthia rumina). Foto: Gilles San Martin/WikiCommons

Mas a equipa de cinco investigadores deparou-se também com alguns casos “raros” de grupos de espécies que passaram por rearranjos genéticos, “incluindo fusões de cromossomas, em que dois cromossomas se unem, e fissões, quando um cromossoma se divide.”

Os resultados da investigação, além de clarificarem parte dos limites que restringem a evolução dos genomas das borboletas, desvendam também alguns factores que permitiram que umas poucas espécies se tenham desviado desse caminho. Dessa forma, acredita a equipa, poderão contribuir para os esforços de conservação dos lepidópteros (borboletas diurnas e noturnas), ao permitir que se desenhem estratégias mais dirigidas a cada caso.

Nos últimos anos, muitos cientistas têm alertado para o risco de extinção de inúmeras espécies de insetos, entre os quais as borboletas. Os lepidópteros representam 10% de todas as espécies animais descritas para a ciência, sendo “polinizadores e herbívoros extremamente importantes em muitos ecossistemas”, nota o Wellcome Sanger Institute.

Borboletas Lycaena e borboletas-das-couves fugiram ao padrão

Os autores do novo artigo científico identificaram 32 cromossomas que terão sido os blocos ancestrais de construção de DNA no último antecessor comum das borboletas diurnas e noturnas. Estes cromossomas, conhecidos como “elementos Merianos” em honra da entomóloga do século XVII Maria Sibylla Merian, mantiveram-se intactos em quase todas as espécies de lepidópteros desde há 250 milhões de anos.

Borboleta-colibri (Agrius convolvuli), do grupo das borboletas noturnas. Foto: Charles J. Sharp/Wiki Commons

Uma das exceções a essa estabilidade foi uma única fusão entre dois cromossomas distintos, que resultou nos 31 elementos Merianos que hoje fazem parte dos genomas da maioria das borboletas. A equipa apercebeu-se de que esses cromossomas são incrivelmente estáveis face ao passado, mas também a ordem dos genes dentro de cada um.

Borboleta noturna grande-pavão-noturno (Saturnia pyri). Foto: Velela/Wiki Commons

“É incrível como apesar da enorme diversificação de espécies [de borboletas diurnas e noturnas], os seus cromossomas se mantiveram notavelmente intactos”, comentou a primeira autora do artigo, Charlotte Wright, investigadora no Wellcome Sanger Institute. “Isso desafia a ideia de que cromossomas estáveis podem limitar a diversificação de espécies. Na verdade, essa característica pode ser uma base para o desenvolvimento da diversidade. Esperamos encontrar pistas nos raros grupos que fugiram a essas regras.”

Macho da borboleta Polyommatus belargus. Foto: Charles J. Sharp/Wiki Commons

Entre as borboletas que fugiram à norma, está o subgénero Lysandra, do grupo das borboletas azuis, que em Portugal é representado pela espécie Polyommatus belargus. O mesmo acontece com o género Pieris, que agrupa as borboletas-das-couves, que estão aliás entre as mais comuns em território português. “Esses grupos passaram por remodelações extensas dos seus cromossomas, incluindo quebras de cromossomas, e remodelações em larga escala através de fissões e fusões.”

Borboleta-pequena-das-couves (Pieris rapae). Foto: Bruce Marlin/WikiCommons

Na Europa, são conhecidas 11.000 espécies de lepidópteros, cujos genomas vão continuar a ser descodificados nos próximos anos, no âmbito do novo projecto Psyche.

O estudo agora publicado foi desenvolvido no âmbito do projeto Darwin Tree of Life, que pretende sequenciar as 70.000 espécies da Grã-Bretanha e Irlanda, e contribuir para o Earth BioGenome, que tem o mesmo propósito para as 1,6 milhões de espécies descritas pela Ciência.


Saiba mais.

Leia os artigos da série Está nos genes, publicados na Wilder pelo investigador Pedro Andrade, e fique a par de algumas das novidades no que respeita ao conhecimento da biodiversidade neste campo da ciência.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.