Calca-mar (Pelagodroma marina). Foto: Paul Donald

Plásticos: Mediterrâneo é a região mais perigosa do mundo para aves marinhas

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Acaba de ser publicado um estudo internacional que analisou o risco de exposição ao plástico por aves marinhas de todo o mundo. O Mediterrâneo é a região mais perigosa. Maria Dias, coordenadora deste estudo, disse à Wilder que a ZEE de Portugal é apontada como de risco moderado.

As aves marinhas são afectadas pelo plástico de duas formas.

Uma delas é quando o ingerem. “A ingestão de plástico dificulta a ingestão de presas, podendo até acumular-se em quantidades tão grandes que leva à morte”, explicou esta terça-feira Maria Dias, coordenadora do estudo, professora do Departamento de Biologia Animal (DBA) e investigadora do cE3c – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, da Universidade de Lisboa.

Calca-mar (Pelagodroma marina). Foto: Paul Donald

“As pardelas e os paínhos podem reter plástico no estômago durante muito tempo, sendo por isso mais vulneráveis à acumulação do plástico que vão ingerindo em vários locais. A ingestão pode também causar a mortalidade (ou dificultar o crescimento) das crias quando estas são alimentadas por plástico que os adultos trazem no estômago.”

Por outro lado, existe o risco de as aves marinhas ficarem emaranhadas no plástico. “Por exemplo, podem ficar severamente feridas ou até morrer em redes de pesca”. Estas podem também morrer por asfixia, “o que acontece com alguma frequência, por exemplo, com os nós dos balões”.

O artigo, liderado pela BirdLife International, foi publicado na revista científica Nature Communications. Contou com uma equipa de mais de 200 cientistas de todo o mundo, desde o Reino Unido, França, Estados Unidos, Espanha, México, Peru e Brasil a Cabo Verde, Austrália, Nova Zelândia e Coreia do Sul. Neste estudo participaram 18 cientistas portugueses, entre eles das Universidades de Lisboa, Coimbra e Açores, mas também do ISPA, do Museu de História Natural do Funchal e do CIBIO-BIOPOLIS.

Fura-bucho-do-Atlântico (Puffinus puffinus). Foto: Beth Clark

“Este estudo veio no seguimento de um outro estudo, também liderado pela BirdLife International, no qual identificámos o plástico como um problema emergente, mas ainda pouco conhecido para o grupo de aves potencialmente mais afetado, as pardelas e os paínhos”, explicou Maria Dias. 

“A maioria dos estudos já feitos focava-se apenas numa ou noutra espécie, mas nenhum tinha tentado ver o panorama global, compilando informação do risco das várias espécies ao longo das várias estações do ano.”

Neste estudo, os investigadores queriam saber quais as regiões do oceano onde as aves estão em maior risco de exposição ao plástico marinho e quais as populações de aves marinhas mais expostas ao plástico.

“O estudo foi baseado em dados de movimento e distribuição das aves obtidos com aparelhos de seguimento remoto, já recolhidos por outros investigadores. Daí o artigo ter tantos autores – mais de 200”. Estes dados foram compilados na Seabird Tracking Database

Assim, em conjunto com mapas da concentração de plástico a nível global, foram analisados dados de 77 espécies de aves marinhas, mais de 7137 animais e mais de 1,7 milhões de posições registadas através de aparelhos de seguimento remoto. A equipa de cientistas foi desta forma capaz de identificar as áreas onde a exposição das aves aos resíduos é maior, e quais as espécies e populações mais afetadas.

“O estudo foi focado nas espécies que estão mais vulneráveis ao plástico marinho, mas das quais ainda se sabe muito pouco sobre a dimensão deste problema – as pardelas e os paínhos (Ordem Procellariiformes, Famílias Oceanitidae, Hydrobatidae and Procellariidae)”, disse Maria Dias.

Segundo a investigadora, a única espécie para a qual o plástico já foi identificado como causa de declínio é uma ave nativa do Pacífico e do Índico, a pardela-de-patas-rosadas (Ardenna carneipes). É também uma das espécies mais estudadas quanto ao impacto do plástico e foi recentemente notícia pela evidência de uma nova doença, nomeada de plasticose.

“O nosso estudo identificou outras espécies potencialmente em maior risco, mas para as quais ainda temos de recolher evidência.”

Pardela-de-barrete (Ardenna gravis). Foto: Beth Clark

De acordo com a coordenadora, a análise permitiu perceber que “o risco não está uniformemente distribuído”, fruto da acumulação do plástico em zonas onde as correntes oceânicas e as marés o favorecem. Também as aves marinhas se distribuem de forma desigual e muito variável ao longo do seu ciclo anual, por serem, na sua maioria, espécies migradoras capazes de sobrevoar milhares de quilómetros de mar. “Quando ambas as regiões se sobrepõem [alta concentração de aves e de plástico], o risco é muito maior”, adiantou Maria Dias.

Entre as zonas mais perigosas para as aves surgem assim o Mediterrâneo, o Mar Negro, o Noroeste e Nordeste do Pacífico, o Atlântico Sul e o Sudoeste do Índico.

Já a Zona Económica Exclusiva (ZEE) de Portugal é apontada no estudo como de risco moderado, sobretudo por causa dos arquipélagos da Madeira e dos Açores, explicou a investigadora. “São regiões de elevada importância para muitas espécies – como cagarras, freiras, almas-negras, paínhos – e com níveis já moderados de plástico.”

O estudo salienta também a freira-do-Bugio como uma das espécies prioritárias para estudos futuros, por se tratar de uma espécie considerada vulnerável e porque ocorre em zonas com níveis mais elevados de plástico, sobretudo na sua migração. “Há ainda poucos trabalhos feitos com ingestão de plástico em aves marinhas em Portugal; um deles, coordenado pelo Paulo Catry, encontrou plásticos na dieta de 79% dos calcamares do Atlântico Norte.”

As aves marinhas são um dos grupos mais ameaçados de extinção a nível global, com cerca de um terço das espécies classificadas como Vulnerável, Em Perigo ou Criticamente em Perigo na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).

Pardela-balear (Puffinus mauretanicus), Sagres. Foto: Jorge Meneses

Todos os tipos de plástico podem afectar aves marinhas. “Plásticos de pequenas dimensões e microplásticos podem ser ingeridos, plásticos de maiores dimensões, como redes de pesca ou os “anéis” de embalagens de plástico (‘6 pack plastic rings’, em inglês) podem causar emaranhamento”, descreveu Maria Dias.

Os investigadores esperam que estes resultados sirvam para identificar prioridades para estudos futuros (que espécies, ou populações, devem ser mais alvo de atenção dos cientistas para estudos de ingestão de plástico) e para medidas de conservação (em que países é que as aves estão mais expostas ao plástico marinho).

Segundo Maria Dias, “a maioria do plástico que está no mar vem de terra, mas uma parte ainda substancial (estima-se que cerca de 30%) vem de embarcações, ou seja, lixo que é deitado, literalmente, borda fora”. A investigadora admite que existem actualmente regulamentos que o proíbem, mas o problema é que esta prática continua a ser comum. “A fiscalização é, por isso, essencial”.

“Quanto ao plástico de origem terrestre, a solução passa por cooperação internacional para reduzir o consumo e melhorar a gestão do lixo, nomeadamente a reciclagem. Na parte da redução do consumo, algo que tem sido muito falado é a redução do uso de plástico descartável e de uso único”, recorda.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.