Quebra-ossos. Foto: Francesco Veronesi/Wiki Commons

Portugal vai estudar se há condições no Norte do país para o regresso do quebra-ossos

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Esta análise acontece no âmbito do projecto LIFE Corredores Ibéricos para o Quebra-ossos, apresentado este mês para recuperar a antiga área de distribuição desta imponente ave na Península Ibérica.

O quebra-ossos (Gypaetus barbatus) é uma das espécies que faz parte da galeria dos animais que já desapareceram de Portugal. No Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal está Regionalmente Extinto, assim como o tetraz-real (Tetrao urogallo), o urso-pardo (Ursus arctos) e o esturjão (Acipenser sturio).

No século XIX estas “águias de barbas”, como lhes chamou o rei D. Carlos, viviam em “praticamente todos os maciços montanhosos da Península Ibérica”, segundo o livro Aves de Portugal (Assírio & Alvim, 2010). Mas desde há muito que está extinta em Portugal como nidificante.

Quebra-ossos. Foto: Francesco Veronesi/Wiki Commons

Mas será que esta situação está prestes a mudar?

Desde 2008, e pela primeira vez em 100 anos, aves libertadas no âmbito da reintrodução da espécie na Andaluzia têm sido observadas nos céus portugueses, fazendo curtas incursões no nosso país.

Portugal e Espanha acabam de dar um novo passo para o regresso do quebra-ossos.

A 17 de Março foi apresentado em Navarredonda de Gredos (em Castela-Leão) o projecto LIFE Corredores Ibéricos para o Quebra-ossos para ajudar a espécie a regressar ao Sistema Central, através de um corredor ecológico que vai de Portugal através da Península Ibérica de Este a Oeste.

O Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) esteve presente nesta reunião e é um dos parceiros deste projecto.

Este projecto, orçado em 2,68 milhões de euros, começou a 1 de Janeiro de 2022 e vai terminar em Janeiro de 2027. O coordenador deste LIFE é a Fundación para la Conservación del Quebrantahuesos.

Segundo o Ministério espanhol para a Transição Ecológica e Desafio Demográfico (MITECO), o “objectivo é criar uma nova população desta espécie no Sistema Central e reforçar os pequenos núcleos já existentes”. Pretende-se “reduzir o risco de extinção na principal população de quebra-ossos da União Europeia, através da recuperação da sua antiga área de distribuição na Península Ibérica”.

O projecto vai “promover a reintrodução desta ave para criar uma subpopulação no Sistema Central, através de um corredor ecológico desde Portugal e através da Península Ibérica, de Este a Oeste”, explica o MITECO em comunicado.

Além disso, vai reforçar a reintrodução da espécie na região de Maestrazgo, “uma zona estratégica de montanhas e canhões profundos que ligam diferentes sistemas montanhosos, onde a Generalitat de Valência tem vindo a realizar libertações nos últimos anos”. Também vai continuar a reintrodução da espécie nos Picos da Europa, onde já existe uma pequena população de 30 animais, a maior de toda a Europa.

Uma estratégia ibérica

Entre os trabalhos previstos neste LIFE está ainda a actualização da actual estratégia de conservação do quebra-ossos. “Dado que nos últimos anos tem aumentado o número de juvenis dispersantes que chegam a Portugal, será promovida a aprovação de uma estratégia ibérica”, revelou o MITECO, que vai redigir e aprovar esta estratégia.

Portugal vai participar na elaboração e aprovação desta estratégia ibérica, avançou o ICNF à Wilder.

Quebra-ossos. Foto: Francesco Veronesi/Wiki Commons

Outra das formas de participação de Portugal neste projecto será “proceder ao estudo das condições ecológicas existentes em algumas zonas do Norte do país no sentido de avaliar as condições de uma futura recolonização natural ou artificialmente induzida, com o apoio técnico dos parceiros espanhóis envolvidos no projecto”, adiantou o instituto.

O objectivo, acrescentou, é avaliar “o potencial para a ocorrência regular da espécie e eventual nidificação futura”.

Além disso, Portugal vai fazer um “acompanhamento intensivo de exemplares (equipados de emissores via satélite) que entrem no nosso território”. Isso vai ajudar o “estudo da sua biologia e ecologia em Portugal, vigiando as aves e procurando contribuir para a mitigação de eventuais ameaças”.

As equipas do ICNF vão receber “formação teórica e prática sobre a ecologia e conservação da espécie e sobre as acções de conservação, nomeadamente as técnicas usadas na reintrodução/reforço da população”, acrescentou o instituto.

Vai ainda acompanhar as acções relacionadas com a luta antivenenos e de fomento da pecuária tradicional que a Fundação para a Conservação dos Quebra-ossos vai implementar.

Além do ICNF participam neste projecto outras entidades portuguesas, concretamente a Associação Naturaleza y el Hombre (filial de uma fundação espanhola com o mesmo nome) e a Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural.

Espécie intensamente perseguida

No passado, poderíamos encontrar quebra-ossos em todas as cadeias montanhosas do Sul da Europa, desde o Oeste de Espanha aos Balcãs.

Quebra-ossos. Foto: Richard Bartz/Wiki Commons

Mas durante os séculos XIX e XX, o quebra-ossos foi intensamente perseguido por ser considerado um animal daninho.

Esta perseguição humana, combinada com uma diminuição da população de herbívoros silvestres de montanha, fez com que se extinguisse em quase toda a sua área de distribuição europeia.

O último quebra-ossos dos Alpes foi abatido em 1913.

Hoje apenas restam quebra-ossos em pequenos núcleos na Córcega, Creta e sobretudo em ambas as vertentes dos Pirinéus.

Por essa razão, esta espécie necrófaga, a mais rara do seu grupo, está incluída no Anexo I da Directiva Aves (de 1979) e é considerada ave prioritária para os projectos LIFE – Natureza.

Espanha começou a trabalhar de forma coordenada entre as várias administrações desde o final da década de 1980. “Graças a todo o esforço conseguido, passou-se de uma população de 30 casais reprodutores nos Pirinéus espanhóis para os 130 actuais”, salienta o MITECO. A população total de ambas as vertentes ascende hoje a cerca de 1.000 exemplares.

“Dada a esperançosa dinâmica da espécie é necessário actualizar a estratégia actual, aprovada em 2000, para prioritizar os seus objectivos e para que o seu âmbito territorial passe a abarcar a totalidade da Península Ibérica”, escreve ainda o ministério espanhol.

“Este objectivo será conseguido através da aprovação conjunta com Portugal, seguindo os passos da estratégia ibérica de conservação da águia-imperial, aprovada por ambos os países em 2018.”


Acompanhe aqui a actualidade sobre o regresso dos quebra-ossos.


Os artigos desta secção são apoiados pela SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.