Açores. Foto: Paulo Borges

Saiba porque são as ilhas da Macaronésia um laboratório vivo para quem estuda a natureza

Uma equipa internacional de 32 investigadores, dedicados à biodiversidade das ilhas, sintetizou as mais importantes descobertas sobre a ecologia, evolução e conservação das ilhas da Macaronésia, onde se incluem os Açores, a Madeira e as Selvagens.

A Macaronésia é uma região do Oceano Atlântico que inclui os arquipélagos vulcânicos das Ilhas dos Açores, Madeira, Selvagens, Canárias e Cabo Verde.

Há muito tempo que estas ilhas fascinam os biólogos. “Na verdade, muitos dos avanços científicos relacionados com o funcionamento dos sistemas insulares são derivados de estudos realizados nesta região oceânica”, segundo um comunicado do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3c (Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa) enviado à Wilder.

No entanto, as informações sobre ecologia, evolução e conservação destes arquipélagos encontrava-se, até agora, dispersa na literatura, pelo que um trabalho de síntese era urgente. Os resultados, publicados a 5 de Novembro num artigo na revista Frontiers in Ecology and Evolution, apresentam uma revisão completa da literatura disponível.

“Conseguimos compilar os avanços mais importantes que já se fizeram na biologia das ilhas da Macaronésia, tanto em termos de biodiversidade terrestre como de biodiversidade marinha”, disse Paulo A. V. Borges, um dos coordenadores deste estudo. Este investigador líder do Grupo de Biodiversidade dos Açores (cE3c) e docente da Universidade dos Açores, salienta ainda o facto de que “as ilhas da Macaronésia são atualmente muito atrativas para o estudo de padrões ecológicos e evolutivos”.

Origem e dispersão biológica

Alguns estudos indicam que uma parte importante das espécies que vivem na Macaronésia teve origem recentemente (são bastante jovens a nível evolutivo), predominantemente de origem europeia, e que não descendem de linhagens antigas que utilizaram estas ilhas como refúgio.

Além disso, outros estudos indicam que a Macaronésia parece ser o ponto de origem da colonização dos continentes dos dois lados do Atlântico. A dispersão de organismos entre as ilhas, e destas com o continente, implica que as espécies percorram distâncias muito longas (em algumas ilhas até mais de 1.500 quilómetros).

De facto, nessas ilhas, foram encontrados exemplos de mecanismos de dispersão pouco conhecidos, como sementes que foram ingeridas por diferentes pássaros e répteis frugívoros que, por sua vez, são comidos por pássaros predadores que, então, transportam essas sementes a grandes distâncias.

Outras interações que os investigadores consideram interessantes são aquelas realizadas por diferentes espécies de répteis e pássaros, que atuam como polinizadores e dispersores de sementes de diferentes plantas, ou de uma espécie de lagartixa gigante de Cabo Verde, que se alimenta de pássaros, comportamento incomum nas regiões continentais.

Biodiversidade única ameaçada

O trabalho faz uma comparação atualizada do número de espécies endémicas de animais e plantas de cada arquipélago, ou seja, que só aparecem em alguns desses arquipélagos, em alguns casos até numa única ilha.

Esta biodiversidade única, resultado de diferentes processos de diversificação, está ameaçada por espécies introduzidas (acidentalmente ou não) pelo homem, que podem facilmente invadir os sistemas insulares.

“As espécies introduzidas, juntamente com as mudanças no uso do solo, constituem duas grandes ameaças a essa biodiversidade”, salientam os investigadores deste estudo. “É extremamente importante que os esforços feitos até agora para obter dados sobre a biodiversidade continuem de forma intensa no curto e longo prazo para podermos compreender plenamente os ecossistemas da ilha, bem como as espécies únicas que os habitam.”

“Desta forma”, acrescentam, “poderemos avaliar com rigor as ameaças a que estão sujeitos e traçar planos de conservação para protegê-los”.

Como também explicam os investigadores, as ações que têm vindo a ser realizadas em alguns arquipélagos ao nível da sensibilização e tomada de decisões para a conservação têm sido essenciais e têm mobilizado políticos, cientistas e cidadãos.

Este trabalho é o resultado de uma colaboração do Island Biology Interest Group-IBIG e da Associação Espanhola de Ecologia Terrestre.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.