Baleia-comum. Foto: Ricardo Fonseca
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Baleias às portas de Lisboa

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Sidónio Paes conta-nos sobre os muitos avistamentos que têm acontecido na zona da bacia do Tejo, incluindo a observação fantástica do segundo maior animal do mundo, uma baleia-comum, acompanhada por um grupo de golfinhos.

Durante o ano tem sido habitual, nestes últimos anos de pandemia, a observação de cetáceos a entrarem pelo rio Tejo adentro com alguma frequência. Com este fenómeno vivido por vários curiosos, velejadores e profissionais – e descrito num meu artigo anterior – comprovou-se novamente, pelo segundo ano consecutivo, que há padrões de entrada e saída destes mamíferos na bacia do Tejo. Também a época terminou mais uma vez no início de Setembro, à semelhança do que já acontecera em 2020. A ausência dos golfinhos no Tejo durante os dias de lua cheia é igualmente um facto.

Mas serão só golfinhos que se podem observar? Nos pilares da ponte 25 de Abril estão representadas algumas espécies que historicamente entraram pelos seus próprios meios no Tejo desde meados dos anos 50, tais como o golfinho-comum, o golfinho-roaz, o cachalote e a orca. Apesar de também se avistarem com alguma frequência alguns botos (Phocoena phocoena) perto do Bugio e de Caxias, este cetáceo não foi pintado.

Para além destas espécies, no rio é habitual a observação de outras espécies de mega-fauna marinha, como o peixe-lua, o espadarte, o atum, a tartaruga-boba, a tartaruga de couro, o tubarão-martelo, o tubarão-azul (vulgo tintureira), o anequim ou mesmo o tubarão-frade. 

No que diz respeito aos cetáceos, é possível observarmos aos saltos golfinhos-riscados, muitas vezes em conjunto com grupos de golfinhos-comuns, o golfinho-de-risso com as suas cicatrizes brancas, baleias-piloto (na verdade são golfinhos) e ainda grupos de orcas – que ultimamente têm causados prejuízos avultados com as suas interações com os veleiros que navegam pelas águas da Península Ibérica.

Mas também se avistam baleias. Avistadas nos últimos anos, algumas espécies de baleias de barbas (Mysticeti) têm por hábito passar por estas águas entre o Cabo da Roca e o Cabo Espichel. Por vezes, chegam-se mais perto da costa, como no Cabo Raso ou no Meco (canhão de Lisboa), e alimentam-se principalmente de cardumes de pequenos peixes pelágicos, tais como a sardinha, o carapau ou a cavala. É por partilharem a mesma dieta com os golfinhos-comuns que é possível observar estas espécies em conjunto, por vezes ambas numa performance sincronizada na captura dos pobres cardumes. Não é de espantar, com tantos nutrientes provenientes do estuário do Tejo, que se observem baleias-anãs, baleias-de-bossas ou baleias-comuns.

Golfinho-comum e baleia-comum. Foto: Kasia Szczypa

No passado dia 24 de Outubro, um dos passeios para observação de aves marinhas com a SeaEO Tours , que começou bem cedo pelas 8h30, revelou-se um dia muito diferente para os clientes – mas sobretudo para a tripulação, que viveu momentos inacreditáveis. Pelas 9h10 desse dia, foram avistados vários bandos de alcatrazes (vulgo ganso-patola) a voar em círculos, que se atiravam para o mar como flechas, o que indicava a presença de cardumes de peixe à superfície – com a colaboração fundamental dos golfinhos-comuns.

Alcatrazes a mergulhar. Foto: Kasia Szczypa

Passados cinco minutos de desligarmos o motor, escutamos um sopro bem perto, de seguida avistamos um longo dorso azul com manchas cinzentas com uma barbatana típica de uma baleia-comum (Balaenoptera physalus), de dimensões duas vezes superiores às do barco (8,5 metros). Espantados – e com uma senhora a chorar de emoção – a tripulação e os fotógrafos mais experientes capturaram o momento em que a baleia surgiu à superfície, algumas vezes ao longo de 30 minutos no mesmo local. Com os golfinhos a nadar à sua frente, a enorme mandíbula da baleia abriu-se para ingerir pequenos peixes, tragando centenas de litros de uma só vez a menos de 20 metros do barco.

Baleia-comum. Foto: Luís Lourenço

A sensação de uma manhã bem passada não passou despercebida. A emoção e o contentamento dos clientes ficaram bem à vista, refletindo-se nos comentários com maravilhosos adjectivos depois de verem o segundo maior animal do mundo. Poucos dias depois, repetiu-se este feito com outra baleia-comum um pouco menor, ao largo do Guincho. Na embarcação seguiam peritos de um grupo de investigação científica do ISPA, no âmbito do projecto CETASEE (Prof. Manuel Eduardo dos Santos e Dra. Ana Rita Luís), que puderam recolher amostras valiosas, incluindo a gravação de som com apoio de um hidrofone. Graças à partilha da localização por parte de um parceiro em Cascais, tivemos a oportunidade de ir directamente à posição e observar o belíssimo animal, que se fez acompanhar de golfinhos-comuns que denunciavam quando iria voltar à superfície.

Em qualquer um destes avistamentos, a identificação da espécie de cetáceo confirmou-se com o apoio das imagens recolhidas, amavelmente cedidas por alguns clientes a bordo. É que a baleia-comum, também chamada de roqual-comum, apresenta uma coloração assimétrica que tem como principal característica a existência de manchas brancas no flanco direito e de manchas mais cinzentas na lateral esquerda, conforme esta belíssima ilustração de João Tiago Tavares. 

Baleia-comum (Balaenoptera physalus). Ilustração: João Tiago Tavares

Ao contrário do que acontece nos arquipélagos dos Açores ou da Madeira, este tipo de avistamentos em Portugal Continental é menos regular. Pelo que devemos apreciar o momento, recolhendo o máximo de dados possível (condições de mar, presença de aves marinhas, comportamento, posição inicial e posição final, quais as espécies, quantidade estimada e presença/ausência de crias e/ou animais feridos), respeitando sempre o seu espaço num lugar que lhes pertence e também o seu comportamento perante o barco.


Sobre o autor

Sidónio Paes é biólogo marinho e sócio-gerente da empresa SeaEO Tours.