Foto: Francisca Aguiar

Jacinto-aquático: praga verde ou sal da Amazónia?

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No âmbito de uma série sobre espécies aquáticas invasoras publicada em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, Francisca Aguiar, professora auxiliar do Instituto Superior de Agronomia e investigadora do Centro de Estudos Florestais, apresenta-nos esta planta que é uma das 100 piores exóticas invasoras a nível mundial.

Que espécie é esta?

O jacinto-aquático (Eichhornia crassipes) é uma planta aquática flutuante originária da Amazónia, Brasil, e pertence a uma família botânica que não está representada em Portugal por espécies nativas (Pontederiaceae). As bonitas flores violáceas com uma mancha amarela no interior e dispostas numa espiga rodeada por 8 a 15 folhas de verde-vivo tornam esta espécie muito apreciada como planta ornamental.

É uma espécie muito plástica, adaptando-se às condições do meio. Quando uma planta cresce em áreas de grande densidade, desenvolve folhas circulares com caules (pecíolos) alongados que podem atingir um metro de comprimento. Em áreas pouco populosas, os pecíolos são bolbosos, curtos (até 30 cm), funcionam como flutuadores e estão coroados por folhas em forma de rim. 

Porque é que lhe chamam “praga verde”?

O jacinto-aquático reproduz-se por via sexuada e vegetativa. Neste último caso, a partir de gemas axilares de caules à superfície da água (estolhos) desenvolvem-se filhos que se destacam da planta-mãe quando formam raízes. Bastam quatro semanas para uma só planta produzir 100 filhos e multiplicar a área inicial em 20 vezes, e é por isso que tem sido apelidado de “praga verde”. Essa é a forma principal de colonização das massas de água fora da área onde é nativa e é assim que a espécie se reproduz em Portugal.

Já a reprodução por via sexuada é conhecida sobretudo na zona de origem, na Amazónia, onde uma só inflorescência pode produzir 3.000 sementes que podem permanecer viáveis até 20 anos.  

Aspeto de uma população de jacinto-aquático no rio Mondego. Foto: Francisca Aguiar

Como é que esta planta invasora chegou a Portugal? 

Portugal foi o primeiro país da Europa a reportar a presença de jacinto-aquático. Não se sabe bem quando e como chegou ao território português, mas o primeiro avistamento registado data de 1939 na Herdade do Rio Frio e em charcos temporários em Fernão Ferro, na bacia do Sado. Pensa-se que o grande impulsionador da expansão desta planta fora da área de origem tenha sido a Feira Mundial de Nova Orleães, Estados Unidos, em 1884, onde a espécie foi dada a conhecer pelo seu valor ornamental. 

E onde é que está hoje presente?

Foi na zona do Ribatejo que se observou a primeira grande invasão pelo jacinto-aquático, na década de 1970, com grandes prejuízos e dificuldades no controlo das infestações. Esta situação impulsionou, conjuntamente com a experiência das invasões no rio Zaire, Angola, a publicação do Decreto-Lei n.º 165/74 de 22 de abril. Esta legislação pioneira na Europa reconheceu o jacinto-aquático como uma ameaça, proibindo a sua importação, cultura, venda, transporte, detenção ou propagação.

Atualmente, em Portugal Continental, esta espécie invasora encontra-se no Minho, Douro Litoral, Beira Litoral, Estremadura, Ribatejo, Alto Alentejo e Algarve. Insularmente, está presente na ilha Terceira, no arquipélago dos Açores. Para além de invasões em zonas agrícolas, como a Lezíria Grande de Vila Franca de Xira, e em cursos de água de várias bacias hidrográficas (ex. Guadiana, Tejo, Mondego, Sado), o jacinto-aquático tem vindo a expandir-se em pauis, lagoas e áreas protegidas ou de interesse para a conservação, como Alverca da Golegã, ou a Reserva da Biosfera do Paúl do Boquilobo (abrange parte dos concelhos de Torres Novas e da Golegã) e a Pateira de Fermentelos (concelho de Águeda). 

Jacinto-aquático na Pateira de Fermentelos. Foto: Ricardo Cordeiro

Mas afinal qual é o problema com o jacinto-aquático?

Não se trata de um problema, mas de muitos problemas. Sendo uma planta aquática dulçaquícola, invade áreas naturais como cursos de água, lagos, lagoas e pauis ou artificiais como valas e canais de irrigação e drenagem, albufeiras e ainda campos de culturas alagadas como arrozais.

Do ponto de vista ambiental, diminui a biodiversidade da flora e fauna aquática, destrói o habitat de várias espécies, chegando a ser letal para peixes e invertebrados, prejudicando outros grupos biológicos, como mamíferos e aves. Interfere com a navegação e atividades de recreação como a pesca, diminui o oxigénio, a temperatura, pH e nutrientes da água.

Para além de interferir na qualidade da água, também reduz a quantidade da água por evapotranspiração – devido à água que se evapora em conjunto com a transpiração da planta – e prejudica o escoamento e o funcionamento de infraestruturas: pontes e centrais hidroelétricas, por exemplo. Promove a proliferação de microrganismos e insetos, muitos deles vetores de doenças humanas como malária, encefalite ou a cólera. 

Invasão de jacinto-aquático no rio Sorraia. Foto: Francisca Aguiar

Como é possível controlar ou erradicar as populações desta espécie? 

É muito difícil erradicar populações de jacinto-aquático numa dada área e a gestão de infestações é difícil, sendo necessária a integração de vários métodos de controlo e de ações que devem ser continuadas ao longo do tempo. Os métodos preventivos, como a redução de nutrientes, bem como os instrumentos legislativos, são muito importantes.

No que respeita aos nutrientes, sabemos que a abundância destes na água – azoto e fósforo, sobretudo – promove o crescimento desta invasora. Estes nutrientes têm geralmente origem em actividades agrícolas nas áreas em redor. Para impedir que cheguem à água, é necessário cumprir a lei relativa à poluição por nitratos e promover boas práticas agrícolas, em geral.

Por outro lado, quando o problema já está presente, os métodos de controlo químicos são utilizados em todo o mundo, mas em muitos países europeus há restrições ao uso de herbicidas em meio aquático. Os métodos físicos, manuais ou com uso de maquinaria são os mais comuns na retirada de biomassa, havendo mesmo ceifeiras-aquáticas desenvolvidas para esta espécie. Barreiras e redes de contenção nos cursos de água são usadas com sucesso para evitar a colonização de outras áreas de uma dada massa de água, bem como alterações no nível de água, quando possível. No controlo biológico têm sido usados inimigos naturais da área de origem, sobretudo artrópodes e fungos, bem como peixes herbívoros e outros animais. 

E qual é a situação noutros sítios do mundo onde é invasora?

A distribuição atual do jacinto-aquático no mundo situa-se entre 40˚N (Portugal) e 40˚S (Nova Zelândia). Esta invasora está presente em todos os continentes, exceto a Antártida, e em mais de 70 países na África, América Central, Ásia, Austrália, Europa, Nova Zelândia. Na Europa, apesar dos países do Sul serem os mais afetados, está espalhada um pouco por todo o continente europeu.

É responsável por enormes prejuízos económicos, ecológicos e sociais em todo o mundo, e por esse motivo está listada entre as 100 piores espécies exóticas invasoras mundiais, numa lista da IUCN – União Internacional para a Conservação da Natureza. Na União Europeia é reconhecida como uma das espécies invasoras preocupantes – “Lista da União”. Muitos países dispõem de instrumentos legislativos sobre esta espécie, grande parte com estabelecimento de coimas. É o caso de Angola, Estados Unidos, Portugal, Espanha.

Três curiosidades:

 As raízes do jacinto-aquático são geralmente longas e muito ramificadas assemelhando-se a uma cabeleira desgrenhada, daí que esta planta tenha também em Portugal o nome vernáculo de ‘desmazelos’. 

Na Bacia da Amazónia, os índios colhem folhas de jacinto-aquático, designado na região por aguapé, e produzem sal-de-índio, rico em potássio e pobre em cloreto de sódio, pelo que não causa hipertensão como o sal comum.

Apesar do seu estatuto de invasor, o jacinto-aquático tem muitas utilidades, entre elas destaca-se o seu poder depurador de metais pesados e elementos tóxicos provenientes de efluentes industriais e domésticos. As fibras podem ser usadas para produção de pasta de papel, tecidos, cordas, na construção e outros produtos industriais. É também usado em cosmética e em produtos medicinais, na alimentação animal e humana e na agricultura como bio-herbicida e adubo orgânico.


Série Espécies Aquáticas Invasoras

Em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, a Wilder dá-lhe a conhecer algumas das principais espécies aquáticas invasoras em Portugal. O LIFE Invasaqua é um projecto ibérico co-financiado por fundos comunitários que divulga informação acerca da ocorrência e combate a espécies invasoras.

Recorde o que se passa em Portugal com o siluro, o mexilhão-zebra, a rã-de-unhas-africana, o alburno, a amêijoa asiática, o caranguejo-peludo-chinês, a amêijoa-japonesa, a gambúsia, o lagostim-sinal, a medusa Blackfordia virginica, o lucioperca, o caranguejo-azul e a ludevígia-rastejante.