O que está a acontecer no Inverno: as cegonhas já preparam os ninhos

Foto: Inês Catry

As cegonhas que chegaram a migrar para Espanha ou África já estão de volta aos territórios onde se reproduzem. A investigadora Inês Catry explica-lhe o que andam a fazer.

Acredita-se que cada vez mais cegonhas-brancas ficam em Portugal o ano todo. As restantes migram para Espanha e África, mas já estão de volta por estes dias, indica Inês Catry, investigadora ligada ao CIBIO/InBIO na Universidade de Lisboa.

As últimas a chegar são as que migram para países como o Senegal, Mauritânia e Mali, e que atravessaram o deserto do Sahara. Essas cegonhas “regressam maioritariamente no final de Janeiro ou primeiros dias de Fevereiro”, explica a bióloga, coordenadora do Birds on the Move. Este projecto internacional está a seguir cerca de 60 cegonhas-brancas marcadas com emissores GPS.

Foto: Carlos Pacheco

Este Inverno, as informações recolhidas nos últimos anos confirmaram-se mais uma vez, com uma grande consistência nas datas: “Todas as cegonhas marcadas com GPS já estão em Portugal”, nota a investigadora.

Fora deste grupo estão os juvenis, até aos três ou quatro anos de idade. “Como não têm pressa para vir nidificar, ficam nas áreas de invernada em África mais tempo, e muitas regressam apenas em Abril ou até Maio.” 

(Re)encontro de casais

Quanto às cegonhas adultas, é no início do ano que “muitas começam a visitar os ninhos e passam uma parte considerável do tempo a defendê-los.” Mas para já, não ficam ali o tempo todo.

Quanto mais perto estiverem de grandes fontes de alimentação, como aterros sanitários ou arrozais, mais frequentes são as visitas, explica Inês Catry. E como estas aves são em geral monogâmicas e costumam reaproveitar os ninhos de ano para ano, é também aqui que reencontram o outro membro do casal, os dois já de regresso das áreas de invernada.

Foto: Inês Catry

“Por vezes ambos os adultos regressam ao ninho no mesmo período, mas um progenitor pode ficar muito tempo ‘à espera’ do seu companheiro”, acrescenta a coordenadora do Birds on the Move. Não foi isso que aconteceu com alguns casais seguidos por GPS no âmbito do projecto: nos casos em que os dois adultos tinham sido marcados, “já todos estão juntos nos seus ninhos”.  

“Mais de 800 quilos”

Entretanto, é agora que as cegonhas “começam a arranjar os ninhos ou a reconstruí-los se for necessário”. A cada ano, “vão colocando mais material nos ninhos, que por isso podem atingir vários metros de diâmetro e de altura e pesar mais de 800 quilos!”, nota a investigadora.

Mas muitas vezes, quando regressam, essas construções já caíram e a solução é “procurar novos locais ou reconstruir no mesmo, se só caiu o ninho e não a estrutura que o albergava”. Há também vezes em que “um casal não tem sucesso num ano e um dos progenitores ou os dois podem mudar de sítio”.

Foto: Inês Catry

Certo é que as cegonhas preferem locais altos para nidificar, mas a escolha é muito mais diversificada quanto às estruturas escolhidas. Por exemplo, entre os locais preferidos há “uma grande variedade de espécies de árvores, entre choupos, azinheiras, pinheiros, sobreiros e outras”.

Outros casais escolhem “casas e muitos tipos de construções humanas: igrejas, barracões agrícolas, silos, pórticos de auto-estradas, marcos geodésicos”. A procura de postes de electricidade, por sua vez, tem aumentado muito ao longo da última década – incluindo de média, alta ou muito alta tensão.

Foto: Inês Catry
Foto: Inês Cary

Aliás, em Portugal a variedade de sítios é tão grande, que há cegonhas que escolhem fazer os ninhos em rochas. “Na Costa Sudoeste vive a única população conhecida no mundo a nidificar na costa rochosa”, adianta a investigadora. 

Ramos, galhos, e um perigo para as crias

E quanto aos materiais usados? “Os ninhos são construídos com ramos e galhos e é comum no centro, onde são colocados os ovos, haver uma camada mais fofa, com várias vegetações e palhas.”

Mas nem tudo é natural, bem pelo contrário. “Também é muito comum encontrarmos todo o tipo de lixos nos ninhos – plásticos, cordas, etc – que são transportados pelas cegonhas e que podem revelar-se muito perigosos, sobretudo para as crias”, lamenta Inês Catry. Aquelas “facilmente entrelaçam-se nestes materiais e muitas acabam por morrer estranguladas ou com as patas amputadas”.

Foto: Inês Catry
Foto: Marta Acácio

Mas por agora, ainda não há crias nos ninhos. Apenas cegonhas adultas, que aqui estarão cada vez mais tempo à medida que se aproxima a época da postura, que começa no fim de Fevereiro e ganha mais força a meio de Março. A incubação dos ovos – em média quatro por ninho – irá durar cerca de um mês, dando algum tempo às novas aves até que chegue a altura de voarem todas para longe.


Saiba mais.

Recorde estas cinco curiosidades sobre a migração das cegonhas portuguesas.


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Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.