Cardume de atuns. Foto: Danilo Cedrone/United Nations Food and Agriculture Organization

Pode a grande migração de atuns voltar a Portugal?

Início

Daniel Veríssimo, um economista fascinado pela natureza, fala-nos deste peixe majestoso e grande viajante do Atlântico, que necessita de espaço e tempo para aumentar os seus números e regressar a uma situação mais segura.

Atuns, peixes mais conhecidos pelos enlatados, cozinhados e sushi do que pelo seu papel no ecossistema marinho. Existem nos oceanos do mundo oito espécies de atuns, do Oceano Índico ao Pacífico, passando pelo Atlântico, estando apenas ausentes das águas frias dos Polos.

Nos mares e costas de Portugal existem cinco espécies de atuns, mas existe um atum, o atum-rabilho (Thunnus thynnus), o rei dos atuns, com uma presença sazonal, que realiza uma impressionante migração entre o Oceano Atlântico e o mar Mediterrâneo, a este, e entre o Atlântico e o mar das Caraíbas, a oeste. O atum-rabilho é uma maravilha da evolução, um peixe perto do topo da cadeia alimentar, moldado em forma de torpedo, que pode pesar várias centenas de quilos e medir até três metros.

Os atuns-rabilho fazem parte das lendas dos Gregos, das crónicas dos Romanos e dos contos árabes. No Algarve, diz o conhecimento popular, era possível ver passar a migração de atuns desde as praias.
Antes, para pescar os atuns, eram construídas grandes estruturas com redes e boias chamadas almadravas, grandes armações que eram usadas para pescar esses peixes desde a costa.

Com o tempo, o atum-rabilho sofreu um declínio estável e continuado, que começou há alguns milhares de anos com as primeiras embarcações de pesca e terminou com o colapso das populações (stocks) nos anos 60 do século XX em águas europeias.

A pesca local e costeira, apesar de ter algum impacto nas populações, não era suficiente para as afetar de forma irrecuperável ou para extinguir espécies, mas com o desenvolvimento das fábricas de conservas e a crescente industrialização, o impacto passou de local e costeiro para incluir também o mar alto e ser feito a uma escala global. A consequência foi um colapso das populações de atum-rabilho e de outras espécies do mesmo grupo.

Hoje, o atum-rabilho regressou à costa portuguesa, ao Reino Unido, ao Báltico e à costa sul de França, mas as populações ainda não estão totalmente recuperadas. Este peixe continua extinto no Mar Negro e o tamanho das populações do passado continua esquecido, e por isso é difícil imaginar o potencial tamanho das populações futuras. Um claro caso da síndrome de amnésia ambiental, em que o estado deteriorado do presente é tido pelas gerações atuais como normal, por não conhecerem outra realidade, quando na verdade é um estado degradado, uma sombra do tamanho anterior.

Para se recuperarem a diversidade e a abundância da vida marinha, a melhoria das práticas da pesca é uma ferramenta-chave: pescar em menos quantidade (a quantidade de peixes que se tira dos oceanos é demasiada), em menos áreas (é importante ter zonas sem pesca para preservar stocks) e com menos impacto (parar de usar artes de pesca de arrasto, prevenir o abandono de redes e minimizar as capturas acidentais). Isso não significa uma redução de rendimentos ou de postos de trabalho, mas sim uma atividade económica estável, viável e sustentável, que cria riqueza de uma maneira segura ao longo do tempo.

Portugal é um dos maiores consumidores de peixe per capita do mundo, sendo a principal razão a riqueza histórica de vida nas águas marinhas portuguesas. O país está localizado no único lugar da Europa que tem um afloramento costeiro – áreas bastante produtivas onde as águas frias ricas em nutrientes vem à superfície, o que origina uma explosão de vida.

É preciso dar espaço e tempo à natureza. Espaço através de áreas protegidas formais, criadas e geridas pela Estado e/ou informais, mantidas e organizadas por populações locais e pescadores, para
assegurar rotas seguras para o atum-rabilho migrar. Tempo, por meio de uns bons anos para a migração de atuns recuperar todo o seu esplendor e grandeza.

As zonas costeiras de Portugal já foram lugares mágicos, a fervilhar de vida, com esturjões a subir os rios, colónias de focas-monge nas praias, tartarugas-marinhas a nidificar na areia, com habitats ricos
em recifes de ostras, pradarias marinhas e florestas de laminárias (kelp), com águias-rabalva nos céus e até com populações residentes de baleias e golfinhos. As zonas costeiras de Portugal já foram
lugares mágicos e podem voltar a ser.

Descobrir o maravilhoso mundo azul, entre a areia da praia e o fundo do oceano, através de um safari de atuns num barco à vela, compreendendo todas as ligações e interligações na teia dos ecossistemas marinhos. Ser deslumbrado pela vida marinha, ver atuns em migração, cardumes de sardinhas e grandes grupos de golfinhos. E no fim, com o sol a refletir nas ondas do mar, ver um atum saltar
como um torpedo fora de água.

A grande migração de atuns pode voltar a Portugal.