Foto: Vasilis drosakis/Wiki Commons

Pode a foca-monge regressar às praias de Portugal?

Início

Daniel Veríssimo, um economista maravilhado com a vida selvagem, fala-nos sobre a lendária foca-monge e sobre o seu possível regresso a todo o território português, em cujas praias este mamífero marinho já foi uma presença comum. 

 

A lendária foca monge. A foca-monge do Mediterrâneo, também conhecida por lobo-marinho (Monachus monachus), de cor preta e acinzentada, mede perto de dois metros e meio, as fêmeas pesam cerca de 240 quilos e os machos cerca de 300 quilos, podem mergulhar até uma profundidade de 300 a 400 metros.

Tem uma dieta generalista que inclui peixes, crustáceos como caranguejos e cefalópodes como lulas e polvos, o que torna esta espécie adaptável a uma grande variedade de habitats marinhos, como estuários costeiros, praias abertas com águas rasas, ilhas com águas profundas e zonas de costa acidentadas. (1)

Existiam três espécies: a foca-monge do Hawaii, no arquipélago com o mesmo nome, cuja população tem crescido nos últimos anos (2); a foca-monge das caraíbas, que se extinguiu no século XX (3); a foca-monge do Mediterrâneo.

No passado, a foca-monge do Mediterrâneo ocorria desde as Costas do Mar Negro, ao longo das costas mediterrâneas da Europa e do Magreb, até às ilhas vulcânicas da Macaronésia (Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde) e praias do deserto na África Ocidental. (4)

Foto: Fábio Olmos/Biodiversity4All

Era comum na Península Ibérica, desde as costas com águas quentes e calmas da Costa do Sol, até às praias frias e agitadas do Litoral português, das ilhas baleares no Mediterrâneo até às ilhas da Macaronésia no Atlântico. (5)

Deixou marcas na História. Homero fala de grandes colónias no livro Odissea. Entre os gregos, reza a lenda de que as focas são a inspiração para as sereias e existem inúmeros registos de caça destes animais pelos romanos (pela pele, carne e óleos). E uma das primeiras descrições dos marinheiros portugueses, ao chegarem ao Arquipélago da Madeira, são os “uivos” das colónias de “lobos marinhos” (6).

No presente, são várias as sombras da presença da foca-monge na paisagem: nomes como Câmara de Lobos na Madeira, Islote de Lobos nas Ilhas Canárias ou Cueva del Luebo Marino perto de Málaga, ou ainda o símbolo do governo da Madeira que inclui focas no seu brasão. (7)

A caça, a perseguição pelos pescadores e marinheiros e a ocupação de habitat, com a crescente urbanização costeira e uso das praias, são as principais causas para o declínio da espécie. (8) A perseguição pelo ser humano foi tão intensa que alterou o comportamento da foca-monge: este mamífero deixou as praias abertas, ideais para descansar e criar descendência, para em vez disso procurar refúgio nas grutas ao longo da costa, mais expostas às tempestades e aos ritmos da maré. O conflito com pescadores ainda hoje é uma ameaça em partes da Grécia e da Turquia (9) e, mais recentemente, a poluição por plástico e redes de pesca abandonadas é uma crescente ameaça.

Foca-monge na Grécia. Foto: lauren_brown27/BioDiversity4All

Apesar dos desafios nos últimos anos, a espécie tem vindo a recuperar pouco a pouco. Contudo, as populações continuam pequenas e isoladas, (10) o que pode originar populações com deficiências, aumenta o risco de fenómenos climáticos extremos afetarem essas comunidades e cria uma maior probabilidade de doenças.

As zonas costeiras são a chave para a preservação da vida marinha, pois albergam uma grande diversidade de vida selvagem e são bastante sensíveis a perturbações e distúrbios. Contudo, são das menos protegidas. (11) Portugal tem uma vasta extensão de costa, mas nenhuma parte é dedicada apenas à natureza. (12) Desde a Praia do Camarido, em Moledo, no Norte, até à Praia da Ponte da Areia, em Vila Real de Santo António, no Sul, não existe uma única praia dedicada exclusivamente à vida selvagem numa linha de costa de cerca de 840 quilómetros. Há praias para todos os gostos, para nudistas e para cães, mas a natureza não tem o seu lugar, embora as praias sejam importantes para várias espécies de aves que nidificam na areia (13), para tartarugas marinhas e para diferentes tipos de focas.

A foca-monge precisa de zonas costeiras tranquilas, sem distúrbios humanos e, com boas densidades de presas como peixes, caranguejos e lulas. Idealmente com zonas core sem pesca, praias livres e pouca presença humana. (14) Projetos pontuais são bons, (15) mas é preciso uma visão a longo prazo e um compromisso duradouro.

Em Espanha há planos para a espécie regressar às Ilhas Canárias num futuro breve. (16) Faz parte da lista de animais extintos e, por lei, é necessário recuperar a sua distribuição histórica, (17) devolvendo a espécie a locais onde já esteve presente mas de onde devido à ação do ser humano desapareceu.

Na Mauritânia, no Cabo Branco, está a maior colónia de foca-monge do mundo, (18) onde graças a esforços de conservação o número destes animais tem vindo a aumentar ano após ano, e que pode ser uma fonte para criar novas populações na Macaronésia e na Península Ibérica num futuro próximo. (19)

Em Portugal, a espécie está hoje presente principalmente nas Ilhas Desertas e também na ilha da Madeira, contando com uma reduzida colónia com cerca de 25 animais (20). Numa primeira fase, a foca-monge poderá voltar também a Porto Santo e à nova reserva das Ilhas Selvagens (21), que pode ser um novo santuário para a espécie, se for alvo de medidas ambiciosas e não apenas mais uma “área protegida no papel”. (22) Consolidar-se-ia assim a ligação entre a população do Cabo Branco na Mauritânia, pelas ilhas Canárias, até ao arquipélago da Madeira. (23)

Foto: Fábio Olmos/Biodiversity4All

Numa segunda fase, a foca-monge pode regressar a zonas já com alguma proteção e ricas em vida marinha no Continente, como a Ria Formosa, a Costa Vicentina, o Estuário do Sado, as Berlengas e o extenso areal do Litoral Centro, desde as praias da Marinha Grande, pela foz do Mondego até às dunas da Ria de Aveiro, e o rico arquipélago em vida marinha dos Açores, de cujas ilhas desapareceu esta espécie emblemática.

Quão incrível seria chegar a uma praia e ver um foca-monge na areia a descansar e a apanhar sol, ou fazer um passeio de barco à vela e ver a agilidade com que se movem na água? A sensação de espanto, surpresa e admiração, de ser maravilhado com a vida selvagem, é única.

A foca-monge do mediterrâneo não pode continuar esquecida, nestes tempos de incerteza são precisas histórias de esperança e planos ambiciosos. A maior barreira à conservação e restauro da natureza é a nossa imaginação… “O sonho comanda a vida”, dizia o poeta; também comanda o restauro da natureza.

Sonhemos uma natureza mais selvagem.

 

Nota: Artigo actualizado com informação sobre a presença da foca-monge no arquipélago da Madeira, onde existe uma pequena colónia baseada principalmente nas Ilhas Desertas.

 


Leia aqui outros artigos do mesmo autor sobre o regresso das espécies extintas a Portugal.