Em Outubro o mundo das aves está em mudança

À medida que alguns dos últimos migradores partem rumo a África, chegam até nós as aves que anunciam a chegada do tempo frio. E é por alturas de meados de Outubro que este “virar da maré” é mais notório.

 

Tiramos a manta de Inverno do armário e queixamo-nos que não estamos prontos para deixar o Verão. Começamos a esquecer as praias, mas talvez ainda seja cedo para pensar em lareiras e aquecedores. Já se sente no ar a melancolia da estação, mas a luz do final de tarde tem uma beleza quente e reconfortante. A parte de nós que ainda é comandada pelo mundo natural acompanha esta transição. E o mesmo acontece no mundo das aves. Algo está a mudar.

 

Pôr-do-sol de Outono no Cabo S. Vicente, depois de um dia de observação de aves. Foto: Nuno Barros
Pôr-do-sol de Outono no Cabo S. Vicente, depois de um dia de observação de aves. Foto: Nuno Barros

 

Ao longo do mês de Outubro ocorre uma das mais notórias e simbólicas transformações no elenco de aves em trânsito pelo território português. A maioria dos migradores transcontinentais já está para além do Sahara (a maioria passou em Agosto e Setembro).

Mas há quem ainda não tenha partido e esteja a fazer os últimos preparativos para a grande viagem até África. Os pequenos migradores presentes em maior número parecem ser a Felosa-musical (Phylloscopus trochilus) e o Papa-moscas-preto (Ficedula hypoleuca). Também ainda é possível observar os últimos Cartaxo-nortenhos (Saxicola rubetra) e as Toutinegras-de-bigodes (Sylvia cantillans), assim como uma ou outra espécie mais esquiva como a Sombria (Emberiza hortulana). Estes derradeiros viajantes transaharianos partirão em breve para tirar partido do boom de alimento disponível na África tropical, após o final da época das chuvas.

 

Felosa-musical, Ponta da Atalaia, Sagres. Foto: Nuno Barros
Felosa-musical, Ponta da Atalaia, Sagres. Foto: Nuno Barros

 

Ao mesmo tempo são cada vez mais as aves que chegam ao nosso país para passar o Inverno. Oriundas de latitudes mais a Norte, estas são aves migradoras que descem até cá em busca de alimento, bem essencial que começou entretanto a escassear nos seus territórios de nidificação.

É nesta época que começamos a observar outras aves. E já tínhamos saudades de muitas delas. Fazem parte do cenário dos meses de Inverno e do conforto e beleza que os próximos meses nos irão proporcionar.

Porém a maioria das espécies características do nosso Inverno não são exclusivamente migratórias. Muitas delas são residentes no Sul da Europa e migradoras no Norte e Centro da sua distribuição. Assim, por esta altura, populações migradoras de muitas espécies partem para Sul, juntando-se assim às nossas populações residentes. É o caso por exemplo de alguns tordos, fringilídeos (pintassilgos, tentilhões e outros), trigueirões e tantas outras.

Devido à sua localização geográfica e topografia, a Costa Sudoeste e a península de Sagres em particular, constituem um eficaz “barómetro” para avaliar os movimentos de aves migradoras.

 

Vale Santo, um dos hotspots de observação de aves na península de Sagres. Foto: Nuno Barros
Vale Santo, um dos hotspots de observação de aves na península de Sagres. Foto: Nuno Barros

 

Após as primeiras chuvas do Outono, a 4 de Outubro, observei em Sagres as primeiras Felosinhas (Phylloscopus collybita) e Toutinegras-de-barrete-preto (Sylvia atricapilla) do Outono (duas das espécies mais abundantes em Portugal no período de invernada). Tinham chegado durante a noite e encontrei-as nos mesmos arbustos que no dia anterior acolhiam apenas Felosas-musicais e Papa-moscas-cinzentos (Muscicapa striata), duas das espécies mais emblemáticas de migradores de passagem. Mas estas últimas partiram na mesma noite.

 

A Toutinegra-de-barrete-preto é uma das espécies mais características do Inverno nas nossas florestas e matos. Foto: Markel Olavo/Creative Commons
A Toutinegra-de-barrete-preto é uma das espécies mais características do Inverno nas nossas florestas e matos. Foto: Markel Olavo/Creative Commons

 

A 6 de Outubro observei os primeiros Ostraceiros (Haematopus ostralegus) a alimentarem-se ao crepúsculo na Praia de Monte Clérigo, onde iriam pernoitar – um grupo de três aves. No pico do Inverno este pequeno dormitório pode albergar mais de 70 aves.

Dois dias depois observei novamente Abibes (Vanellus vanellus) – também conhecidos por “Ave-fria” por anunciar a chegada do tempo frio – sobre os campos em redor do Cabo S. Vicente, um tímido bando de cinco aves. Nos meses de Inverno esta será uma das aves mais abundantes nos nossos prados e pastagens.

 

O abibe é uma das aves mais emblemáticas do nosso inverno. Foto: Gidzy/Creative Commons
O abibe é uma das aves mais emblemáticas do nosso inverno. Foto: Gidzy/Creative Commons

 

Intensificam-se por estes dias os movimentos de chegada de alvéolas-brancas (Motacilla alba) e, nas zonas mais arborizadas, o chamamento do Pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula) começa a estar cada vez mais presente.

Esta transição nos movimentos de aves em Sagres faz-se igualmente notar no elenco de aves de rapina em passagem pela península. Ainda se registam algumas Águias-calçadas (Aquila pennata), assim como os últimos Milhafres-pretos (Milvus migrans) da estação. No entanto, o número de Águias-cobreiras (Circaetus gallicus) e Águias-d’asa-redonda (Buteo buteo) – migradores tardios – começa a aumentar. Por estes dias acontece também um dos mais emblemáticos movimentos de aves por estes lados – a chegada dos primeiros grandes bandos de Grifos (Gyps fulvus) do Outono.

 

Centenas de Grifos passam por Sagres em Outubro e Novembro. Foto: Nuno Barros
Centenas de Grifos passam por Sagres em Outubro e Novembro. Foto: Nuno Barros

 

Outubro é um mês de abundância e diversidade e uma época fascinante para os observadores de aves. Mas nunca é demais lembrar para quem tem os olhos postos no céu que é também por esta altura que podemos encontrar flores magníficas como o Colchicum lusitanicum e a orquídea Spiranthes spiralis.

 

Orquídea Spiranthes spiralis, Paúl de Búdens. Foto: Nuno Barros
Orquídea Spiranthes spiralis, Paúl de Búdens. Foto: Nuno Barros

 

E mais está para vir. Aqui no “fim do mundo” as aves chegam e partem continuamente, anunciando e celebrando a constante transformação do mundo natural.

 

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Nas próximas semanas, o ornitólogo Nuno Barros vai estar na Wilder para nos ajudar a compreender melhor a migração das aves, orientando-nos na observação e identificação das espécies. E Nuno traz-nos relatos de um dos melhores sítios para o fazer: Sagres. Prepare-se para aproveitar ao máximo as fantásticas aves que nos visitam nesta altura do ano.