Foto: Marcello Consolo/Wiki Commons
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Para procurar no Outono: as exúvias das cigarras

É possível encontrar estes exoesqueletos desde o Verão, mas muitos continuam agora visíveis para quem os procura com olhos bem atentos. A Wilder falou com Vera Nunes e Paula Simões, do projecto Cigarras de Portugal.

Por estes dias, se for passear no campo ou num parque urbano, é possível que já não ouça o canto das cigarras, mas pode ser que encontre algumas, ou mesmo muitas, exúvias destes insectos – os exosqueletos que abandonam quando fazem a sua transformação de ninfas para adultos, no início do Verão.

Foto: Vera L. Nunes

Este é um processo complexo que costuma acontecer no escuro da noite, explicam Vera Nunes e Paula Simões, numa entrevista escrita à Wilder. Ambas pertencem ao projecto Cigarras de Portugal, que tem como objectivo a divulgação e conhecimento das espécies de cigarras que ocorrem no país.

Muitos desses exoesqueletos ficam agarrados a troncos de árvores, mas porquê? “A ninfa precisa de se fixar num suporte pelas garras das patas dianteiras, de forma a ficar imóvel enquanto pressiona o corpo para romper o exosqueleto e conseguir sair dele”, respondem as duas investigadoras, ligadas também à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Este processo de transformação de ninfas em adultas “demora pelo menos um par de horas”, durante o qual as cigarras “vão bombeando a hemolinfa pela venação”. Ou seja, o líquido que corre no sistema circulatório destes insectos vai chegando a todas as veias e nervuras, até que “conseguem esticar e expandir as asas até à sua forma final”.

Cigarra-comum (Cicada orni) já adulta. Foto: Marcello Consolo/Wiki Commons

Ao longo desta transformação, “as cigarras ficam completamente vulneráveis aos ataques dos predadores”, pelo que “a emergência das ninfas do solo [onde viveram até agora] e a ecdise (muda) acontecem geralmente de noite”. “As cigarras demoram depois algumas horas a ficar com as cores finais e a endurecer as asas a ponto de voar.”

É então que prosseguem com a sua vida, agora prontas para acasalar, deixando abandonados os exoesqueletos de ninfas. Esses vestígios ficam não só nos troncos das árvores, onde estão mais visíveis, mas em muitos locais diferentes. “As ninfas têm pouca mobilidade e por isso não se afastam muito do túnel de onde emergem para se fixarem e fazer a muda. Isso significa que em muitos casos, o tronco onde fazem a muda pertence à árvore ou planta de que se alimentaram durante a fase de ninfa (nas respectivas raízes). Mas nem sempre, e não raras vezes encontramos exúvias em paredes, vedações, postes, e até em pneus de carros.”

Exúvias de Cicada orni no Parque da Quinta das Conchas, Lisboa. Foto: Vera L. Nunes

“Muitas vezes acabam aglomeradas nos mesmos troncos, sinal de elevada abundância, podendo mesmo fixar-se a outras exúvias já vazias. Caso a exúvia ainda tenha a cigarra no processo de saída, a recém-chegada ninfa pode inadvertidamente aprisioná-la e causar a sua morte.”

Exúvias de Cicada orni no Parque da Quinta das Conchas. Foto: Vera L. Nunes

Pode também acontecer que muitas ninfas não cheguem a subir pelas árvores, fazendo a muda na vegetação mais baixa que está em redor, acrescentam estas investigadoras. Mas o que acontece é que o exoesqueleto fica muito mais visível nos troncos, onde é mais fácil de encontrar, uma vez que “a cor amarelada da exúvia se confunde mais facilmente entre a vegetação seca do Verão.”

Exúvias de Cicada orni no Parque da Quinta das Conchas. Foto: Vera L. Nunes

Ao longo do tempo, à medida que o clima ficar mais agreste, será cada vez mais difícil encontrarem-se estes vestígios na natureza, pois “vão progressivamente caindo ao chão e desaparecendo pela acção do vento e da chuva”. “Apenas as exúvias que estão mais firmemente fixadas permanecem por mais meses, mas geralmente nenhuma resiste até ao Verão seguinte.”

Mas para já, caso alguém depare com uma exúvia, pode saber mais sobre o insecto a que pertencia. Em Portugal, por exemplo, são conhecidas 13 espécies diferentes de cigarras.

“As exúvias são distintas em tamanho, forma e cor entre os diferentes géneros, mas são idênticas entre espécies do mesmo género. Quando são observadas em locais onde apenas se conhece a ocorrência de uma espécie desse género, podemos presumir a espécie com confiança”, adiantam Vera Nunes e Paula Simões.

Um exemplo? “As cigarras em Lisboa, onde sabemos que apenas existe uma espécie do género Cicada, a Cicada orni“, notam. Pelo contrário, “nas regiões onde ocorre Cicada orni em simultâneo com Cicada barbara, não podemos presumir com confiança a que espécie pertencem as exúvias.”


Saiba mais.

Conheça melhor o projecto Cigarras de Portugal, aqui. Se gravou o canto de cigarras ou fotografou estes insectos, contribua para o registo desses dados através da plataforma BioDiversity4All. E acompanhe as novidades no Facebook, no Instagram e no Twitter.

Descubra também algumas exúvias identificadas no Que Espécie é Esta, recolhidas por Gabriel Raio Baltazar.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.