Quase metade das espécies de aves do mundo estão em declínio

Coruja-das-torres. Foto: Carlos Delgado/WikiCommons

O relatório Estado das Aves do Mundo 2022 revela que quase metade de todas as espécies de aves estão em declínio e que uma em cada oito espécies está atualmente ameaçada de extinção. Em Portugal a situação é igualmente preocupante, alerta a SPEA.

A cada quatro anos, a BirdLife International publica este relatório. O referente a 2022 alerta que quase metade das espécies de ave do mundo estão em declínio, com apenas 6% a aumentar.

Embora os dados de tendências a longo prazo nas populações de aves sejam mais completos para a Europa e América do Norte, há cada vez mais evidências de que os declínios estão a decorrer por todo o globo, desde espécies de floresta e zonas húmidas no Japão até rapinas no Quénia.

Em Portugal, os dados mais recentes (relativos ao período 2007-2018) indicam que há 53 espécies de aves em declínio, enquanto 38 estarão a aumentar e 32 estão estáveis. No entanto, para 63 espécies no nosso país não há informação sobre o estado das suas populações e outras 52 têm tendência incerta – uma situação preocupante que demonstra a necessidade de maior monitorização para serem recolhidos dados que permitam uma boa avaliação o estado das espécies. 

As alterações climáticas são uma das razões para estes declínios no mundo das aves. 34% das espécies ameaçadas já estão a ser afectadas e prevê-se que o nosso clima em mudança venha rapidamente a tornar-se um problema ainda maior.

A exploração madeireira e gestão florestal insustentáveis são também ameaças significativas, com a perda de mais de 7 milhões de hectares de floresta todos os anos a impactar metade de todas as espécies de aves ameaçadas.

Na Etiópia, a perda de prados para a agricultura desde 2007 causou uma redução de 80% no número de Cotovias-de-Liben, espécie endémica que não existe em mais nenhum local do mundo. O aumento da mecanização, o uso de agroquímicos e a conversão de prados e pastagens permanentes em áreas de cultivo causou um declínio de 57% nas aves de ecossistemas agrícolas da Europa, desde 1980.

A expansão e intensificação agrícola é a maior ameaça às aves do mundo, afetando 73% de todas as espécies ameaçadas. Esta é também a maior ameaça às aves em Portugal, causando declínios acentuados de espécies como o sisão, a águia-caçadeira (ou tartaranhão-caçador) e os picanços.

“As aves contam-nos sobre a saúde do nosso ambiente natural – se ignorarmos as suas mensagens pomo-nos em risco a nós próprios”, comentou, em comunicado, Patrícia Zurita, CEO da BirdLife International. “Muitas partes do mundo já estão a sofrer com incêndios extremos, secas, ondas de calor e inundações, à medida que os ecossistemas transformados pelo ser humano têm dificuldade em adaptar-se às alterações climáticas. Embora a pandemia COVID e a crise económica global tenham desviado a atenção da agenda ambiental, a sociedade mundial tem de manter o foco na crise da biodiversidade.”

O actual relatório conclui que uma das mais importantes ações necessárias é a conservação, proteção e gestão efetiva dos locais mais críticos para as aves e a biodiversidade.

“Uma das ações que este relatório identifica como mais urgentes é proteger as áreas importantes para as aves e a biodiversidade – áreas como o Estuário do Tejo, que é crucial para milhares de aves a nível internacional, e que está seriamente ameaçado pelo proposto aeroporto do Montijo”, disse Hany Alonso, técnico da SPEA (Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves) e coordenador de alguns dos censos de aves que fornecem dados para análises como este relatório.

Até hoje a Birdlife International já identificou mais de 13.600 locais mais críticos para as aves e biodiversidade – Áreas Importantes para as Aves e a Biodiversidade (IBA, na sigla em inglês).

A reunião da Convenção de Diversidade Biológica (CBD COP15) que decorrerá no final deste ano será um momento crucial para as aves e para toda a natureza, com os governos a reunir para finalizar e adoptar a Global Biodiversity Framework.

“Apesar do estado preocupante do mundo natural, as aves dão-nos motivos de esperança. Mostram que com ações efetivas, as espécies podem ser salvas e a natureza pode recuperar”, escreve a Birdlife International, da qual a SPEA faz parte.

Desde 2013, 726 espécies de aves globalmente ameaçadas beneficiaram diretamente de acções dos parceiros BirdLife e mais de 450 IBA foram designadas como áreas protegidas. Exemplos disso no nosso país são o priolo, ave que só existe na ilha de São Miguel, Açores, e que a SPEA conseguiu salvar da extinção, e o caso da Zona de Proteção Especial de Aveiro-Nazaré que foi classificada em 2015. Desta forma colmatou-se uma falha existente pois as áreas de alimentação e descanso da pardela-balear (ave marinha mais ameaçada da Europa) na costa portuguesa não estavam cobertas pela rede de áreas protegidas. Desde 2008, essas áreas estavam identificadas como IBA, um trabalho que decorreu no âmbito do Life IBA Marinhas, que ajudou a identificar as Áreas Importantes para as Aves nos ecossistemas marinhos.

“As aves mostram que estamos numa crise de extinções, com pelo menos 187 espécies que se confirma ou suspeita, se tenham extinguido desde o ano 1500. Não podemos negar que a situação é negra, mas sabemos como inverter estes declínios.” 

“A investigação da BirdLife International mostra que entre 21 e 32 espécies de aves se teriam extinguido desde 1993 se não fossem os esforços de conservação para as salvar. Espécies como o priolo nos Açores ou o condor da Califórnia já não existiriam fora de museus se não fossem os esforços da SPEA e das muitas organizações na parceria BirdLife e mais além. A natureza consegue recuperar, mas temos de lhe dar essa oportunidade”, diz Hany Alonso.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.