Albano Soares diz que com os insectos há sempre coisas novas à espera de serem descobertas

Embaixadores por Natureza

Na nossa mini série que lhe apresenta os peritos que, nos bastidores, identificam as centenas de espécies que os nossos leitores nos enviam, perguntámos ao entomólogo Albano Soares porque se interessa tanto por insectos.

Especialista em libélulas e abelhas, Albano Soares colabora com o consultório “Que Espécie é Esta?” desde o nascimento do projecto, em 2017. Fique a conhecer melhor este entomólogo português. 

WILDER: Que idade tem e qual é a sua ocupação profissional?

Albano Soares: Tenho 53 anos e trabalho como técnico de entomologia na associação Tagis – Centro de Conservação das Borboletas de Portugal. No meu trabalho faço amostragens, identifico insectos, trato das colecções de insectos que temos e dos dados que reúnem toda essa informação.

W: Porque é que se dedicou à entomologia?

Albano Soares: Eu próprio me questiono às vezes sobre o que me atraiu para esta vida. Sempre gostei de animais. E um dos principais factores é que gosto de “encaixar as coisas em gavetas” e tentar perceber como o mundo funciona. Sei que nasci assim. E os insectos dão para fazer isso para o resto da vida e mais além!

W: E como é que começou?

Albano Soares: Sou autodidacta na Biologia, nunca fiz uma formação académica nesta área. Foi já com 30 e tal anos que decidi largar tudo e criar o meu próprio posto de trabalho. Na altura trabalhava em optometria. Desisti de tudo. Não sabia bem no que queria trabalhar, só sabia que queria trabalhar com insectos. 

Quando deixei o meu trabalho, em 2008, dediquei dois anos a aprofundar os meus conhecimentos sobre insectos e a percorrer o país – o que só foi possível graças ao Fundo de Desemprego. Na altura estava a estudar o grupo das libélulas e comecei a trabalhar na elaboração de um guia sobre este grupo. 

Apesar de serem poucas espécies, havia muito desconhecimento sobre estes insectos, que são também muito atractivos visualmente, e isso atraía o interesse das pessoas. E o desenvolvimento das novas tecnologias também ajudou: tanto o aparecimento das redes sociais como as máquinas fotográficas digitais, que democratizaram a Fotografia. Foi em 2008 que comecei a ter contactos com o Tagis. Dois anos depois, comecei a trabalhar ali.

W: Alguma vez pensou em fazer formação académica nesta área? 

Albano Soares: Já me passou pela cabeça, mas não me sinto associado ao formato académico. Acho que o curso devia ser mais vocacional. 

Na entomologia e noutras partes ligadas à zoologia, as pessoas muitas vezes saem da licenciatura com uma formação muito ligeira; a não ser que encontrem um professor apaixonado por taxonomia, que goste de trabalhar com a identificação de espécies. Assim, posso eu escolher os meus professores e as pessoas que quero acompanhar; não quero que escolham isso por mim. 

Muitos investigadores também não têm tempo para se dedicarem à taxonomia, ou seja, à identificação de novas espécies, até porque isso não é valorizado em termos de carreira académica. Às vezes temos a sorte de encontrar alunos excepcionalmente motivados, mas não é isso que lhes vai influenciar a nota. E por isso, muitas vezes acabam por ser os amadores que se dedicam a isso. 

Ainda assim trabalho na faculdade [de Ciências, em Lisboa]. Quando não estou em trabalho de campo vou para o laboratório trabalhar nas colecções de insectos. Só de abelhas temos 25 caixas enormes guardadas, cada uma com capacidade para 300 a 500 espécimes. Estou a inserir toda essa informação em tabelas de Excel.

W: O que é que o fascina mais nos insectos?

Albano Soares: Desde logo, a diversidade deste grupo, que faz com que haja sempre coisas novas à espera de serem descobertas. Depois, também o facto de os insectos serem tão antigos que estão relacionados com praticamente tudo na Terra. São, aliás, um dos principais motores para a vida no planeta.

W: E quais são os principais desafios quando está a identificar espécies?

Albano Soares: Identificar bichos é uma cena doutrinal. É preciso estar sempre a ir para o campo, mas é isso que gosto de fazer. O mais difícil é encontrar referências sobre as características determinantes de um insecto, que permitam fazer a ligação à espécie. Nas abelhas, por exemplo, existem géneros com mais de uma centena de espécies, até mesmo com 200 espécies diferentes.

E muitas vezes tens um exemplar de abelha na mão mas só tens acesso a referências ultrapassadas, escritas há várias décadas, em alemão ou holandês. É um desafio, mas a taxonomia é uma cena vocacional; só com vocação é que vais para essa área. Eu, por exemplo, estou sempre a apanhar abelhas e sempre a pensar neste grupo de insectos, sempre a tentar perceber mais.

W: Como é que tem sido colaborar com o “Que Espécie é Esta”?

Albano Soares: Já vi espécies muito interessantes. E também já me aconteceu deparar-me com um insecto que tem uma área de distribuição limitada e depois, por exemplo, há uma senhora que fotografa essa espécie num local que não tem nada a ver com o que se sabia. O “Que Espécie é Esta?” é também importante para aproximar as pessoas em geral dos insectos.

W: E tem alguma história curiosa relacionada com o seu trabalho de identificação de espécies, que gostasse de partilhar?

Albano Soares: Submetemos uma nota sobre uma nova espécie de abelha para Portugal. Quando a capturei, vi logo que era bastante diferente e por isso contactei um amigo especialista nesse grupo de insectos. 

Ele indicou-me que se trata de uma espécie nova para Portugal e que na Península Ibérica só há um outro registo: uma fêmea na Serra de Gredos, em Espanha, a mais de 1000 metros de altitude. No meu caso, capturei um macho desta espécie a 80 metros de altitude, em Vila Velha de Ródão. 

Trata-se de uma abelha com uma área de distribuição conhecida desde o sul de França até à Ucrânia. E é curioso haver apenas estes dois registos na Península Ibérica, tão diferentes um do outro. 

Uma outra história é bastante mais antiga: passou-se em 2008 e foi a confirmação do meu momento de viragem de vida. Nesse ano tinha-me prontificado a fazer um guia de libélulas. Havia uma espécie que nunca tinha sido registada ou fotografada em Portugal – a Macromia splendens, um bicho enorme e lindo – mas havia registos em Espanha e em Trás-os-Montes, já tinham sido encontradas exúvias (peles largadas pela ninfa à medida que esta cresce). Era o lince-ibérico das libélulas.

Numa altura em que ainda vivia no Porto, fui a Valongo de autocarro e quando lá cheguei vi uma libélula enorme, preta e amarela, parada no ramo de uma árvore: era a Macromia splendens! Não era suposto o bicho estar numa zona suburbana do Porto. Gastei um cartão inteiro a tirar fotografias e fiquei sem bateria no telemóvel, mas foi como que uma epifania. “É isto mesmo”, pensei.


Embaixadores por Natureza é uma mini série da Wilder dedicada à rede de especialistas que, desde 2017, são o coração do “Que Espécie É Esta?”. É o nosso reconhecimento e obrigado a tantas horas passadas a olhar com carinho, e de forma voluntária, para “os nossos” bichos e plantas. E a dar-lhes um nome. Sai todos os dias, de 1 a 16 de Agosto.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.