Aranha buraqueira-de-Fagilde. Foto: Sérgio Henriques

Aranha que faz sapateado foi redescoberta numa aldeia portuguesa ao fim de 92 anos sem ser vista

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Uma equipa de investigadores redescobriu uma espécie de aranha-buraqueira que estava perdida para a Ciência desde 1931, ano em que foi descrita pela primeira vez por uma entomóloga. A Buraqueira-de-Fagilde (Nemesia berlandi) é a 12ª espécie redescoberta pelo projecto Re:wild’s Search for Lost Species, lançado em 2017.

“A aranha Buraqueira-de-Fagilde é a única espécie endémica de Portugal Continental que não tinha um avistamento documentado por quase um século ou mais”, comentou, em comunicado Sérgio Henriques, coordenador da conservação de invertebrados no Global Center for Species Survival, no Indianapolis Zoo e o líder da expedição que redescobriu a aranha em Fagilde, concelho de Mangualde.

Aranha buraqueira-de-Fagilde. Foto: Sérgio Henriques

“Esta é uma espécie espantosa”, comentou Sérgio Henriques. “A aranha buraqueira-de-Fagilde é tão portuguesa como o Fado e é nosso dever garantir que continua a fazer parte do nosso património natural. A continuação da sua existência é testemunho de Fagilde e das pessoas de Vale Carcia que têm protegido as suas florestas locais.”

A equipa que fez a expedição procurou a aranha nas florestas em redor de Fagilde e nos limites da localidade entre Agosto de 2021 e Novembro de 2023, varrendo o solo entre as folhas secas à procura dos buracos da aranha e construindo abrigos artificiais na esperança de atrair machos desta espécie.

Porque o Outono é a estação do ano em que ocorre a reprodução das aranhas buraqueiras, a equipa acreditou ser aquela a melhor altura para encontrar indivíduos desta espécie fora dos seus abrigos muito bem camuflados na floresta. Durante a reprodução, os machos fazem um sapateado junto à porta do buraco onde está a fêmea, na esperança de a conquistar.

Em 2011, Sérgio Henriques encontrou buracos horizontais, uma orientação que é única da buraqueira-de-Fagilde, mas não encontrou aranhas, apenas os seus vestígios. Uma década depois, em 2021, a expedição regressou àquelas zonas de floresta em Fagilde e nos arredores.

A persistência da equipa foi recompensada numa das suas muitas expedições. Os investigadores encontraram um buraco coberto com fios de seda, um sinal das aranhas buraqueiras. Estas aranhas escavam os seus buracos com 10 centímetros de profundidade no solo e tapam-nas com portas circulares com 2,5 centímetros de diâmetro; podem permanecer nos seus buracos durante anos, saindo apenas para procurar alimento ou parceiros.

Buraco de aranha buraqueira-de-Fagilde. Foto: Sérgio Henriques

Contudo, o buraco que a equipa encontrou não foi construído totalmente na vertical, como faz a maioria das outras espécies de aranhas buraqueiras. Em vez disso, a entrada do buraco estendia-se horizontalmente debaixo do solo antes de cair verticalmente em profundidade. O buraco tinha ainda uma porta circular que estava trancada por dentro. Sérgio Henriques escavou, com cuidado, perto do buraco e descobriu uma fêmea adulta lá dentro, a guardar dez aranhas bebés.

A aranha foi encontrada na única área onde a buraqueira-de-Fagilde tinha sido registada e tinha o mesmo padrão dorsal mencionado na descrição original feita em 1931.

Ainda assim, a prova definitiva veio com uma análise de ADN. As aranhas podem desfazer-se das suas patas como mecanismo de defesa e são capazes de as fazer crescer de novo. A equipa usou esse comportamento natural para recolher uma das patas da aranha e preservá-la em etanol. Depois devolveram a aranha ao seu buraco, em segurança.

A análise de ADN efectuada pelo projeto IBI, InBIO Barcoding Initiative, revelou que aquela aranha encontrada dentro do seu buraco em 2021 não correspondia a nenhuma aranha buraqueira da área, o que significava que tinha de ser a perdida aranha buraqueira-de-Fagilde que a equipa procurava.

“Esta é a primeira redescoberta para o Search for Lost Species na Europa e é um sinal do quão incríveis e únicos são os invertebrados, que representam ate 97% das espécies animais no planeta”, comentou Christina Biggs, do projecto Re:wild. “Tudo nesta espécie maravilhosa desafia o que normalmente esperamos das aranhas buraqueiras e faz-me ter esperança em relação às outras espécies.”

A aranha buraqueira-de-Fagilde foi originalmente descrita por Amélia Bacelar e pelo seu marido Fernando Frade. Descreveram fêmeas desta espécie que foram preservadas na colecção do museu de História Natural da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Mas os espécimes terão desaparecido num incêndio em 1978. Apenas restam os escritos do casal, uma pequena nota a descrever o padrão dorsal da aranha, o tamanho e outras características. Não há outros registos do comportamento, ecologia ou análise das suas características físicas únicas.

Aranha buraqueira-de-Fagilde. Foto: Sérgio Henriques

Agora, Sérgio Henriques preocupa-se com o futuro da espécie. Na última década, Fagilde e a área envolvente registaram incêndios frequentes e cada vez mais intensos e um reservatório vai inundar o habitat onde vive a aranha.

Este investigador tem estado a trabalhar com a comunidade local de Fagilde para lhes falar da espécie e para os envolver nos esforços de investigação. Por exemplo, os locais relatam-lhe qualquer avistamento de aranhas fora do normal.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.