Paisagem de tundra na Noruega
Tundra alpina na Noruega, Parque Nacional de Dovrefjell. Foto: Thartmann Wiki/Wiki Commons

Boa parte da Terra ainda está selvagem, mas fragmentada

Pouco mais de metade da superfície terrestre não coberta de gelo permanece hoje relativamente selvagem, mas o seu futuro está ameaçado, concluiu uma extensa investigação científica.

O novo artigo resultante, “Áreas globais de baixo impacto humano (‘Áreas de Baixo Impacto’) e fragmentação do mundo natural”, foi agora publicado na revista Nature. É a conclusão de um volumoso trabalho de análise de dados realizado em 2017 e 2018, coordenado pela National Geographic Society (NGS).

“Apesar dos estragos gerais infligidos ao ambiente pelo desenvolvimento humano (por exemplo cidades e unidades agrícolas), há ainda oportunidade de proteger regiões vastas e relativamente selvagens da Terra para benefício das pessoas e de outros seres vivos”, indica um comunicado divulgado pela Universidade da Califórnia (UC Davis), que participou neste estudo.

Autoria: Andrew Jacobson, Catawba College

Liderada por Andrew Jacobson, professor de sistemas de informação geográfica do Catawba College, EUA, a equipa de investigadores recorreu a técnicas de mapeamento baseadas em satélites, para medir os impactos humanos no planeta.

Resultado? Concluíram que 56% da superfície terrestre que não está permanentemente coberta por gelo e neve permanece em estado natural, sujeita a baixo impacto humano.

No que respeita aos biomas, destacam-se a tundra e a floresta boreal. “A maioria das áreas de baixo impacto identificadas na pesquisa ficam em florestas boreais remotas do Norte do Canadá e da Rússia, nas terras altas da Ásia, especialmente Tibete e Mongólia, nos desertos do Norte de África e da Austrália, e nas florestas húmidas tropicais da bacia amazónica na América do Sul.”

“Estas são boas notícias para o planeta”, afirmou Andrew Jacobson – que é também assessor da NGS – sublinhando que estas conclusões “deixam em aberto a possibilidade de expandir a rede global de áreas protegidas e construir habitats maiores e mais conectados para as espécies.”

As pradarias temperadas e florestas tropicais secas são os biomas mais alterados, cada um com menos de um quarto da superfície com baixo impacto humano. Mas as zonas de florestas de folhosas mediterrânicas e temperadas não ficam muito atrás: cada uma tem apenas cerca de um terço da superfície com baixo impacto humano.

Estes resultados mostram, nota a equipa, que as regiões com menos diversidade biológica são as que têm sofrido menos efeitos negativos. Mas mesmo aí, nem tudo está bem.

Cada vez mais isolados

Os cientistas analisaram também o tamanho e o recorte das áreas com baixo impacto humano e perceberam que muitas estão “fragmentadas em peças pequenas e isoladas, separadas quer por obstáculos naturais (água, rochas, gelo) ou cada vez mais pelo desenvolvimento humano.”

E o problema é agravado pela fragilidade destes fragmentos, como notou Jason Riggio, cientista de conservação da UC Davis: “Metade de todos esses segmentos localizados em florestas temperadas, florestas secas tropicais ou florestas tropicais de coníferas distam no máximo uma milha (1,6 km) da perturbação humana”, disse.

Mas quais são os efeitos que essa fragmentação tem numa população selvagem? Desde logo, os animais podem ficar separados de potenciais parceiros, de rotas de migração ou de fontes de alimento. E por outro lado, ficam mais expostos a factores negativos como pesticidas e estradas, notam os cientistas. “A extinção pode ser o resultado.”

“Este artigo mostra que já é tarde, mas não demasiado tarde”, alertou Andrew Jacobson. “Ainda podemos aumentar muito a extensão das áreas protegida a nível mundial, mas temos de agir depressa. As pressões estão a aumentar e as perdas e fragmentação de habitats estão a erodir rapidamente os sistemas naturais e a diversidade de espécies que contêm.”

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.