Rouxinol-grande-dos-caniços. Foto: Andreas Eichler/WikiCommons

Durante três meses 118 voluntários contaram rouxinóis de Norte a Sul do país

O 1º Censo Nacional de Rouxinol-grande-dos-caniços terminou a 30 de Junho. Conheça os resultados desta iniciativa da comunidade de ornitólogos portugueses.

Um caniçal ou a vegetação densa na margem de um ribeiro – com abundância de insectos, aranhas e caracóis – podem ser bons locais para uma das melhores experiências de natureza: ouvir o canto do rouxinol-grande-dos-caniços (Acrocephalus arundinaceus).

Esta é uma ave castanha e de garganta esbranquiçada, quase do tamanho de um pequeno tordo.

Rouxinol-grande-dos-caniços. Foto: Francesco Veronesi/WikiCommons

Todos os anos chega a Portugal a partir do fim de Março, ficando no país até Agosto, altura em que viaja até à África-subsaariana para aí passar o Inverno.

Este ano, a pequena ave esteve na mira de 118 observadores de aves que, voluntariamente, visitaram mais de 240 locais por todo o país. O objectivo era saber quantas aves ocorrem em Portugal e onde.

Rouxinol-grande-dos-caniços. Foto: Bernard Dupont/WikiCommons

Durante o censo foram registados 637 rouxinóis machos. “Quisemos contabilizar só o registo de machos a cantar, algo que fazem para defender o território. Este é um bom indicador e foi o critério escolhido, porque as fêmeas são muito difíceis de ver”, explicou Gonçalo Elias, responsável pelo portal Aves de Portugal e um dos coordenadores nacionais deste censo, juntamente com João Tomás.

“Acho que o balanço deste censo é muito positivo”, considerou hoje à Wilder Gonçalo Elias. “Conseguimos aumentar o conhecimento sobre esta espécie”, contribuindo com um “grau de detalhe maior” quanto ao número de aves e com uma lista dos locais mais significativos para a espécie.

Ainda assim, 637 rouxinóis machos é um número que, no entender do responsável, pode ter duas leituras: “ficou acima das expectativas mais pessimistas para este censo mas consideravelmente abaixo das estimativas do passado”.

Rouxinol-grande-dos-caniços. Foto: Zerocool.marko/WikiCommons

Até agora não havia um censo nacional dedicado à espécie e as estimativas populacionais que existiam eram grosseiras. Gonçalo Elias lembrou os dados do primeiro atlas das aves nidificantes de Portugal (1978-1984) – que estimou a população entre 1.000 a 10.000 casais – e os dados da Birdlife, com estimativas populacionais de entre 1.000 a 5.000 casais para Portugal.

Depois de três meses de trabalho de campo e de observações, Beja (com 122 aves), Santarém (com 104) e Portalegre (86) surgem como os três distritos com maior número de aves registadas.

Gonçalo Elias considera que a cobertura deste censo foi “bastante boa”. A equipa coordenadora do censo tinha elaborado, previamente, uma lista de locais de ocorrência potencial, baseando-se na informação disponível no site eBird. “Conseguimos visitar os locais principais todos e ainda foram descobertos novos locais para a espécie, até agora desconhecidos”.

Esta é uma espécie que apenas vive em zonas húmidas com caniçais e tabuais, como pauis, valas e margens de ribeiros com vegetação densa. 

Rouxinol-grande-dos-caniços. Foto: Andreas Eichler/WikiCommons

Ainda assim há algumas lacunas e houve locais que ficaram por contar, nomeadamente no distrito de Évora. “Poderão ter escapado alguns machos mas creio que teremos detectado a maioria.”

Isto porque, explica, é mais fácil fazer as contagens nas zonas húmidas do litoral – concretamente nos estuários do Tejo e do Sado, Ria de Aveiro e Vale do Mondego – porque têm um habitat contínuo do que nos açudes do interior do país.

“Estes pequenos açudes, com caniçais, e as margens das ribeiras estão muito mais espalhados pelo território e pode ter havido zonas com aves não detectadas”, explicou.

Rouxinol-grande-dos-caniços. Foto: Eugene Stolyarov/WikiCommons

Apesar das eventuais lacunas, a maioria dos locais foi visitada e o número final de aves é “bastante razoável”.

Gonçalo Elias avança que ainda não há nova data para a realização do próximo censo à espécie mas acredita que tal poderá acontecer dentro de dois ou três anos.

Os próximos censos poderão ajudar a descobrir qual a evolução a longo prazo das populações de rouxinol-grande-dos-caniços, se estão estáveis ou a aumentar ou diminuir.

Para já, a sensação de quem conhece o terreno é de uma tendência negativa. “Pela minha experiência, cada vez se vêem menos rouxinóis-grandes-dos-caniços e há a percepção, não sustentada por números, que a população está a diminuir”, disse Gonçalo Elias.

Rouxinol-grande-dos-caniços. Foto: Coniferconifer/WikiCommmons

“Há muitos sítios de onde a espécie já desapareceu”, disse o especialista. Causas? “Difícil dizer, mas talvez a escassez de alimento, concretamente insectos, e de habitat.”

Este censo foi o tiro de partida para começar a perceber o que se passa com esta espécie em Portugal.


Saiba mais.

Três coisas a saber sobre esta espécie:

O rouxinol-grande-dos-caniços não é um rouxinol. Na verdade, é a maior felosa de Portugal. E canta toda a noite. Acredita-se que seja essa a origem do seu nome popular.

Esta ave faz ninhos suspensos, entrelaçados em caniços, que são impressionantes obras de mestria. São copos cilíndricos fundos presos a várias hastes de caniços, normalmente a uma altura entre os 10 e os 200 centímetros do solo. São tecidos com ervas, folhas, caules de plantas, flores, teias de aranha e até penas e penugem. Lá dentro abrigam entre três e seis ovos.

Os insectos são uma das suas principais presas, normalmente capturadas à superfície da água ou imediatamente abaixo dela, segundo o livro Aves de Portugal – Ornitologia do território continental (Assírio & Alvim, 2010). Alimentam-se também de aranhas, caracóis e de pequenos vertebrados.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.