Chaparrito. Foto: Carlos Pacheco

Este ano nasceram seis abutres-pretos no Alentejo

A espécie de abutre mais ameaçada de Portugal está confinada a três núcleos reprodutores em Portugal. No núcleo do Alentejo nasceram seis crias este ano. Três sobreviveram e estão prontas para voar.

Em 2020, nidificaram 10 casais de abutre-preto (Aegypius monachus) no sudeste do Alentejo, na Herdade da Contenda (concelho de Moura), informou na sexta-feira passada a Liga para a Protecção da Natureza (LPN).

“Três destes casais conseguiram criar com sucesso, dando deste modo continuidade à recuperação desta ave no Sul do país”, escreve a associação em comunicado enviado à Wilder.

Este número conseguido na Herdade da Contenda – propriedade da Câmara Municipal de Moura com 5.300 hectares – representa actualmente cerca de um terço dos casais em Portugal.

Dos 10 casais, três nidificaram em ninhos artificiais anteriormente instalados pelo projeto LIFE “Habitat Lince Abutre” e sete em ninhos naturais.

Oito desses casais conseguiram fazer postura de um ovo (como é característico da espécie), dos quais nasceram seis crias.

“Embora três destas crias não tenham sobrevivido – uma delas devido a queda do ninho e as outras por causas desconhecidas, provavelmente devido ao calor extremo durante o seu desenvolvimento -, três, todos machos, ultrapassaram já os três meses de idade, estando nesta fase prestes a deixar os seus ninhos com sucesso.”

Um destes jovens abutres foi batizado de Chaparrito, num processo de votação online com mais de 200 participações.

Chaparrito. Foto: Carlos Pacheco

A monitorização das crias e ninhos foi feita pela LPN, em colaboração com a Herdade da Contenda e com o acompanhamento do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

Desde que em 2015 a espécie voltou a reproduzir-se na região, após mais de 40 anos sem registo de reprodução a sul do rio Tejo, este é o sexto ano consecutivo em que o abutre-preto cria com sucesso na Herdade da Contenda e mantém ou aumenta o número de casais nidificantes.

“Tal tem sido possível, sobretudo, em consequência dos esforços de conservação desenvolvidos pela LPN em colaboração com a Herdade da Contenda, E. M., beneficiando da importante e adequada gestão deste território propriedade do município de Moura.”

Por exemplo, a Herdade da Contenda ajuda a garantir plataformas de nidificação, condições de tranquilidade e disponibilidade de alimento em períodos críticos, tudo em colaboração com a LPN e com as parcerias no projeto Orniturismo, financiado pelo programa POCTEP.

Abutre-preto. Foto: Juan Lacruz/Wiki Commons

Durante 40 anos não nasceram crias de abutre-preto (Aegypius monachus) em Portugal. A perda de habitat, envenenamento, colisão e electrocussão em linhas eléctricas e diminuição de alimento disponível ditaram esta ausência, dos anos 1970 a 2010.

Nestes 10 anos, o regresso da maior ave de rapina da Europa ao nosso país tem sido seguido de perto, e apoiado, por dezenas de conservacionistas de várias instituições. Os esforços de conservação estão concentrados no Tejo Internacional, no Baixo Alentejo e no Douro Internacional, os três núcleos da espécie em Portugal.

um abutre-preto a voar
Abutre-preto. Foto: Juan Lacruz/Wiki Commons

A época reprodutora dos abutres-pretos começa entre Janeiro e Fevereiro. As crias nascem a partir de Abril e começam a voar entre Agosto e Setembro.

No final de Julho, as crias nascidas na Herdade da Contenda foram marcadas com anilhas metálicas (fornecidas pelo CEMPA/ICNF) e anilhas coloridas (que permitem identificação dos animais à distância, com recurso a telescópio), num trabalho coordenado por Eduardo Santos (LPN), com o apoio técnico do biólogo Carlos Pacheco no acesso aos ninhos e marcação das aves e acompanhado por uma equipa de Vigilantes da Natureza do ICNF.

“Estes resultados, embora representem mais um passo no sentido da tão desejada e efetiva recuperação da espécie no Alentejo e em Portugal, revelam a necessidade de dar continuidade aos esforços de conservação dirigidos ao abutre-preto de forma a aumentar a sobrevivência e sucesso na reprodução”, defende a LPN.

Em particular, a associação salienta “a necessidade de um acompanhamento mais próximo da reprodução e a intervenção em períodos críticos do desenvolvimento das crias, nomeadamente durante os picos de calor e de escassez de alimento”.

“Os abutres são extremamente importantes para manter a sanidade dos ecossistemas, estando no entanto em risco de extinção em Portugal e sujeitos a diversas ameaças à sua sobrevivência, a maioria de origem humana, de onde se destacam o envenenamento e a escassez de alimento”, segundo a LPN.

Abutre-preto (em primeiro plano). Foto: PJeganathan/Wiki Commons

“Também a utilização do diclofenac (um anti-inflamatório não esteroide) para o tratamento do gado representa um enorme risco para estas aves necrófagas no nosso país, estando ainda, após vários anos, o Estado Português a avaliar a autorização do seu uso na pecuária.”


Agora é a sua vez.

Eduardo Santos, da LPN, e Gonçalo Elias, do portal Aves de Portugal, dão-lhe as dicas que o vão ajudar a observar abutres-pretos. Leia tudo aqui.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.