Foto: Joana Bourgard

Europa tem 2.138 espécies de abelhas selvagens, revela nova lista

Início

Uma equipa de 20 investigadores de sete países actualizou a lista das espécies de abelhas selvagens europeias. Este trabalho, publicado na revista Zootaxa, é crucial para conservar estes animais em declínio.

A nova lista anotada das abelhas selvagens da Europa, publicada a 11 de Agosto, tem 77 géneros e 2.138 espécies.

Esta é a actualização da lista das espécies de abelhas selvagens da Europa, originalmente publicada em 2014 (com 1.965 espécies); foi revista pela primeira vez em 2017 (com 2.051 espécies). 

Nesta revisão, a equipa de investigadores (da Bélgica, República Checa, Itália, Alemanha, Suíça, Ucrânia e Países Baixos) acrescentou um género (Halopanurgus), quatro sub-géneros e 67 espécies recentemente descritas, 40 espécies novas registadas desde a última revisão – incluindo duas espécies que não são nativas da Europa -, 26 espécies que não foram captadas pelo radar das listas anteriores e 63 sinónimos publicados. Os investigadores publicaram ainda registos originais para oito espécies até agora desconhecidas para o continente europeu e excluíram 37 espécies da anterior lista. Também propõem uma centena de alterações taxonómicas e clarificações.

Entre as espécies recentemente descritas como novas para a Ciência estão cinco espécies com distribuição em Portugal e Espanha e cujos holotipos foram encontrados em Portugal: Andrena baetica (Vaiamonte, Portalegre), Andrena benoisti (Várzea Cova, Minho), Andrena foeniculae (Tomar, Ribatejo), Andrena lusitania (Fundão, Castelo Branco), Andrena omnilaevis (Várzea Cova, Braga) e Epeolus ibericus (Caparica).

A abelha Andrena hebescens, encontrada em Fuerteventura, Ilhas Canárias, Espanha, é um exemplo de uma nova espécie para a Europa.

Os investigadores – que reviram a literatura disponível e usaram informação original, analisando material directamente examinado por taxonomistas – especificam ainda as alterações taxonómicas necessárias para actualizar a próxima Lista Vermelha das Abelhas Europeias.

“Este trabalho é uma nova revisão que inclui os mais recentes avanços taxonómicos e revisões para estabilizar a estrutura taxonómica das espécies de abelhas europeias para a nova Lista Vermelha da UICN, actualmente em preparação, e para a plataforma online ORBIT (Developing Resources for European bee inventory and taxonomy, com o objectivo de criar e centralizar informação sobre todas as espécies de abelhas da Europa, 2021-2024)”, explicam os autores no artigo científico.

Segundo Hugo Gaspar, entomólogo do FLOWer Lab, do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra, “é de notar o grande avanço que está a acontecer nos últimos anos na taxonomia de abelhas (pós 2017), fruto de uma nova geração de taxonomistas líderes em certos grupos à escala europeia (grande parte sediado na Universidade de Mons, Bélgica) e aos quais se está a dar espaço para trabalhar”.

“O enorme avanço que se tem sentido na área acontece mesmo apesar de existir uma amostragem muito limitada em muitos países (incluíndo Portugal), existir muito trabalho taxonómico por fazer em alguns grupos e a informação não estar organizada e curada à escala europeia”, comentou à Wilder. 

“Em suma, é uma área que tem um potencial gigante e onde muita coisa está a acontecer e que trará muitas novidades nos próximos tempos. Em Portugal, como é referido no artigo à escala Ibérica, é um sítio onde ainda muito se tem que descobrir e onde muito se tem descoberto.”

Um mundo em declínio

A perda de espécies está a acelerar a um ritmo global alarmante. Milhões de hectares de habitats naturais são destruídos todos os anos, uma grande parte da terra adequada no planeta já foi convertida para agricultura e as alterações climáticas estão a causar desequilíbrios sem precedentes na vida selvagem. Alguns autores comparam esta enorme crise da biodiversidade a uma extinção em massa.

As últimas décadas têm sido marcadas por vagas de extinção de espécies e tendências populacionais negativas em abelhas. Uma das causas tem sido a invasão e expansão por novas espécies de abelhas de outros continentes, como a Megachile sculpturalis. À medida que o comércio internacional continua a intensificar-se na Europa são de esperar novas chegadas nos próximos anos. Também há populações, por exemplo de abelhões, que estão a expandir-se para a Europa por causa das alterações globais de temperatura e habitats.

“Os insectos estão entre os mais afectados, estando em declínio a sua abundância, biomassa, diversidade e distribuição espacial”, alertam os investigadores.

Estão hoje descritas no planeta mais de 20.000 espécies de abelhas selvagens (Hymenoptera: Anthophila). São cruciais para cerca de 85% das culturas agrícolas mundiais e para a reprodução de milhões de espécies de plantas.

“Apesar de o conhecimento actual das abelhas europeias ser substancial, novas espécies são frequentemente descritas e continuam a ocorrer alterações de nomenclatura depois de mais de 250 anos de investigação no continente. Estas actualizações, fundamentais para refinar o conhecimento da fauna de abelhas do continente, demonstra que ainda persistem muitas incertezas quanto à taxonomia e distribuição das abelhas selvagens da Europa. Por exemplo, na primeira Lista Vermelha das Abelhas Europeias, 55% de todas as abelhas registadas no continente estavam classificadas como “Data Deficiente” (DD).”

Os autores defendem que é preciso mais trabalho na taxonomia e história natural das espécies de abelhas selvagens para implementar estratégias de conservação adequadas.

No caso de Portugal, Hugo Gaspar considera que “o que falta é um estudo consistente ao longo de anos à escala nacional que consiga determinar onde se encontram” as abelhas. “Muitas espécies estão em habitats específicos ou associados a plantas específicas, ou são mais despercebidas ou difíceis de capturar do que outras, tornando-se difíceis de documentar.”

“As coleções são um ponto essencial porque o estudo é feito com espécimes observados à lupa. Nesse capítulo, as colheitas que temos em Portugal estão muito enviesadas no Algarve em períodos de férias de Verão (feito por especialistas estrangeiros e não só) e também em locais de habitação de especialistas portugueses – na coleção do Museu de Coimbra temos o exemplo do Manuel Assunção Diniz nos anos 60 (de Coimbra e Algarve) e Nuno Freire de Andrade nos anos 50 (de Lisboa e Resende)”, explicou.

Na sua opinião, “para que exista um bom estudo de uma zona é necessário fazer colheitas em vários momentos que cubram todos os períodos de voo de todas as espécies (maioria entre Janeiro e Setembro) e fazê-lo ao longo de vários anos. Um local bem preservado pode chegar facilmente às 100-200 espécies, mas nos registos temos 10 espécies que foram colhidas numa passagem de algum coletor que teve uma hora livre para apanhar uns espécimes nesse dia”.

“A outra parte que tem faltado é o estudo dos espécimes. A identificação é particularmente desafiante e deve ser feita por alguém com formação. De outra forma, muita informação nunca será alcançada. Neste momento essa especialização está a ser desenvolvida por mim e pelo Albano Soares. Ambos começámos a trabalhar neste grupo após a publicação da checklist em 2018 e tivemos um empurrão de iniciativas como a LVI (contacto com especialistas estrangeiros) e o SPRING (formação).”

Hugo Gaspar salienta que “a taxonomia exige muita dedicação e tempo mas, infelizmente, por si só não é valorizada o suficiente na avaliação da produção científica”.

A taxonomia é uma Ciência em constante evolução. “À data da publicação deste artigo vários trabalhos estão a rever o estatuto taxonómico de grandes complexos de espécies, incluindo grupos de abelhas considerados bem conhecidos”, escrevem os autores deste artigo científico. 

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.