Gato-bravo regressa à Holanda depois de séculos de ausência

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Desaparecido desde o início da Idade Média, o gato-bravo voltou a reproduzir-se na Holanda, vários séculos depois. A bióloga Hettie Meertens explicou à Wilder como e porque está a acontecer este regresso.

O gato-bravo (Felis silvestris), espécie classificada como Vulnerável em Portugal, terá desaparecido da Holanda no início da Idade Média. Esta ausência foi ditada pela “perda da floresta, por perseguição humana e pela caça”, explicou hoje à Wilder Hettie Meertens, 60 anos, bióloga da ARK Nature, uma organização conservacionista holandesa.

Gato-bravo. Foto: Luc Viatour/WikiCommons

Lentamente, e vários séculos depois, a espécie decidiu regressar ao Sul da Holanda, mais concretamente à província de Limburgo.

Segundo Hettie Meertens, o gato-bravo estará a migrar em direcção à Holanda à procura de novos territórios porque “as populações mais próximas – Ardennes (na Bélgica) e Eifel (na Alemanha) – estão em expansão e a ficar saturadas”.

A história deste regresso terá começado em 1963. Nesse ano há um registo não confirmado de um gato-bravo na província de Limburgo, perto de Heerlen (Terworm). O registo seguinte, também não confirmado, só surgiu em 1999, desta vez na província de Gelderland, perto de Nijmegen (Groenlanden).

Hettie Meertens. Foto: D.R.

O primeiro registo confirmado de gato-bravo na Holanda é de 2002, quando um indivíduo morreu atropelado por um carro perto de Vaals (Vaalsbroek), em Limburgo.

A partir desse ano, os registos começaram a ser mais frequentes, todos em Limburgo. Em 2006, um gato-bravo foi “apanhado” pela lente de uma câmara de foto-armadilhagem. O ano de 2012 trouxe um registo e a partir de 2013 vários gatos-bravos foram observados no Sul daquela província.

Segundo Hettie Meertens, em 2015 e em 2018 foram encontrados dois animais numa outra província, Noord-Brabant, perto da província de Limburgo.

A reprodução de gato-bravo na Holanda foi confirmada em 2014 e em 2017, em Vijlenerbos perto de Vaals, província de Limburgo.

Hoje “não é possível saber exactamente qual o número de gatos-bravos na Holanda, mas estimamos que sejam mais de 25 e menos de 50, a maioria na província de Limburgo”, acrescentou a bióloga.

A organização ARK Nature tem vindo a trabalhar para ajudar a espécie, protegida a nível europeu pela Convenção de Berna (1979), a regressar ao país. “Temos desenvolvido as florestas naturais e os campos com muitos arbustos (e ratos) e temos criado corredores naturais entre essas florestas através da plantação de sebes robustas em zonas agrícolas”, explicou.

Para esta bióloga, as condições ideais para o estabelecimento de uma população reprodutora sustentável em Limburgo passam por florestas maduras e ricas em biodiversidade, zonas tampão bem desenvolvidas e com muitos arbustos, campos biodiversos em redor das florestas, ligações entre as florestas através de sebes de arbustos, corredores entre as populações de gato-bravo da Holanda, Bélgica e Alemanha e passagens viárias para estes animais e assim evitar atropelamentos.

Outra medida de extrema importância é o evitar a hibridação com gatos domésticos, através da esterilização.

Em Portugal “é escasso” o conhecimento sobre a situação e a tendência populacional desta espécie, disse anteriormente à Wilder o biólogo Manuel Malva, um dos responsáveis de um projecto para monitorizar o gato-bravo nos maciços montanhosos da Lousã e Sicó. 

Gato-bravo. Foto: James Lindsey/WikiCommons

“É uma espécie muito discreta, furtiva, com territórios extensos, factores estes que, aliados à sua ocorrência escassa e em muito baixas densidades, tornam extremamente difícil a sua deteção e estudo”, comentou o biólogo. 

Nas últimas décadas, explicou, a espécie estará em regressão acentuada na sua área de distribuição histórica, nomeadamente nas populações em territórios litorais. “Já no interior, a espécie parece confinada a áreas transfronteiriças, pelo menos no que concerne a populações minimamente consistentes e viáveis.”

Este naturalista sublinhou que “é muito difícil implementar medidas de conservação da espécie quando se sabe tão pouco acerca do estado actual das suas populações, bem como das causas que levaram ao seu declínio”.

“Apontam-se como principais causas a perda e fragmentação do habitat, a degradação da floresta nativa, a hibridização com o gato-doméstico e a diminuição da abundância das suas principais presas, nomeadamente o coelho-bravo. Seria importante perceber quais os factores mais decisivos, de modo a poder, então, delinear-se um plano de conservação com bases sólidas e medidas concretas para a recuperação da espécie. No entanto, é prioritário garantir primeiro a qualidade do ecossistema nas áreas onde a espécie ainda ocorre.” 

De momento, as equipas do novo Livro Vermelho dos Mamíferos estão a trabalhar para perceber como está a distribuição e abundância desta espécie em Portugal. Para isso foi feita armadilhagem fotográfica e transectos para registar indícios de presença (como pegadas e excrementos). 

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.