Medusa-tambor. Foto: Joy Patterson

GelAvista: Medusa-tambor foi o gelatinoso mais avistado num ano atípico em Portugal

Em Portugal continental, mais de uma em cada três observações registadas pelo projecto de ciência cidadã coordenado pelo IPMA disseram respeito a esta espécie.

O aparecimento na costa algarvia desta grande medusa, com uma campânula que chega aos 60 centímetros de diâmetro, foi destaque em noticiários ao longo do último Verão. E não é para menos. A medusa-tambor (Rhizostoma luteum) foi o gelatinoso mais avistado em Portugal continental neste último ano, representando 36% – mais de um terço – do total de registos recebidos pelo projecto de ciência cidadã GelAvista. A seguir à medusa-tambor, estiveram a caravela-portuguesa (Physalia physalis), com 24% dos avistamentos, e a medusa-do-tejo (Catostylus tagi), com 19%.

Mas não foi só a medusa-tambor que deu nas vistas mais a sul. Também a medusa-compasso (Chrysaora hysoscella), que consegue emitir luz e por isso pode ser visível durante a noite, apareceu em maior número. “Este foi um ano particular, marcado pela grande abundância de arrojamentos de gelatinosos no Algarve ao longo de todo o Verão, nomeadamente da medusa-tambor e da medusa-compasso”, indicou à Wilder a coordenadora do GelAvista, Antonina dos Santos, em nome da equipa deste projecto do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

Medusa-compasso. Foto: Steve Daniels/Wiki Commons

As duas espécies registaram números de avistamentos mais elevados em Junho e Julho, de acordo com os dados do projecto, “talvez relacionados com a elevada temperatura da água registada nesse mesmo período e o transporte através das correntes desde o Mediterrâneo e Norte de África.”

Para além das alterações climáticas, o aumento de avistamentos da medusa-tambor e da medusa-compasso, em relação aos últimos anos, estará ligado ainda a outros factores, considera a equipa. “Por um lado, o reconhecimento cada vez maior do projeto GelAvista por parte da população e do envio mais frequente de avistamentos”. Além disso, “os impactos antropogénicos, como a aquacultura e a sobrepesca”.

Mais águas-vivas-riscadas

Por outro lado, ainda antes do Verão, em Abril e Maio, houve também “avistamentos significativos de caravela-portuguesa ao longo da costa oeste de Portugal continental, espécie que voltou a aparecer em Agosto”. E também a água-viva-riscada (Aequorea spp.), uma medusa que até agora tinha tido apenas registos ocasionais, teve uma ocorrência “relevante” no final da Primavera, entre Maio e Junho.

Quanto ao arquipélago da Madeira, a caravela-portuguesa atingiu os 90% dos avistamentos comunicados, a água-viva 6% (Pelagia noctiluca) e o veleiro (Velella velella) 4%. Já nos Açores, a caravela-portuguesa representou 85% do número total de avistamentos e a água-viva 11%.

Caravela-portuguesa. Foto: Rhalah

Como colaborar

Todos estes dados foram divulgados no 8º encontro anual do GelAvista, que se realizou na ilha Terceira, nos Açores, a 14 de Outubro. Desde 2016 que o projecto acompanha e avalia a quantidade e as espécies de gelatinosos na costa portuguesa, a partir das informações enviadas pelos cidadãos.

Actualmente, colaboram com o GelAvista cerca de 2800 cidadãos, que já enviaram mais de 16.000 registos de gelatinosos através da app GelAvista, por email ([email protected]) ou através das redes sociais. Para que um avistamento seja validado é necessário saber o local, a data, a hora e quantos indivíduos aproximadamente foram observados, bem como adicionar uma fotografia que permita a correcta identificação da espécie.

Para já, Lisboa, Setúbal e Leiria, que são “regiões litorais com mais população e facilidade de acesso ao mar”, bem como todo o distrito de Faro, “uma região muito turística”, são as zonas onde o projecto do IPMA conta com uma melhor cobertura.

Em contrapartida, há ainda várias zonas do país que necessitam de mais cidadãos-cientistas observadores de gelatinosos: as regiões do Norte, nomeadamente Braga e Viana do Castelo, todo o Alentejo e os Açores e Madeira.

“Pensamos que o GelAvista é um excelente exemplo de como o envolvimento dos cidadãos na recolha de dados contribuiu grandemente para o avanço da ciência”, sublinha Antonina dos Santos, apelando à “contribuição continuada dos observadores”. Essa persistência é necessária, afirma, para “analisar correctamente o efeito das alterações climáticas na abundância de gelatinosos nos ecossistemas marinhos e fazer previsões de ocorrências das espécies, o que será útil para a gestão costeira e ambiental em todo o país.


Saiba mais.

Recorde quais são as diferenças entre uma medusa e uma alforreca. E acompanhe o projecto GelAvista, através do Facebook e do Instagram.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.