Gonçalo Calado

Gonçalo Calado estuda caracóis, lapas gigantes e lesmas-do-mar. E mais animais a precisar de ajuda

Embaixadores por Natureza

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Na nossa mini série que lhe apresenta os peritos que, nos bastidores, identificam as centenas de espécies que os nossos leitores nos enviam, perguntámos ao biólogo e professor Gonçalo Calado porque se interessa tanto por estes animais.

Gonçalo Calado, 51 anos, começou por coleccionar conchas aos 14 anos. Dedicou-se aos nudibrânquios, animais com estratégias de vida fascinantes, e aos caracóis terrestres, por estarem esquecidos e a precisar de ajuda. Diz que o “Que Espécie é Esta?” é uma forma de retribuir toda a ajuda que teve quando estava a começar.

WILDER: Que idade tem, qual é a sua ocupação profissional e em que está a trabalhar neste momento?

Gonçalo Calado: Tenho 51 anos. Sou professor há 23 anos na Universidade Lusófona, em Lisboa. Neste momento dou aulas de Biologia Marinha e Biologia e Gestão da Conservação a futuros biólogos. Além das aulas, estou envolvido em três projetos de investigação: a inventariação dos caracóis de uma futura área protegida de génese local, a lista vermelha dos invertebrados de Portugal continental e o estudo da biologia da lapa gigante das Ilhas Selvagens.

W: Porque é que se dedicou a estes grupos de espécies?

Gonçalo Calado: Desenvolvi muito trabalho em nudibrânquios (o grupo mais numeroso de lesmas-do-mar), por ser um grupo com adaptações muito interessantes em termos de defesa (não têm concha) e de estratégias de vida. Muitas vezes estão intimamente associados ao seu alimento (esponjas, corais, anémonas, etc.) e permitem estudar relações predador-presa muito raras em termos evolutivos. Eu e o meu colega João Pedro Silva fizemos um guia destas espécies do Algarve em 2012.

Mais tarde na minha carreira, apercebi-me de que os caracóis terrestres de Portugal continental estavam negligenciados em termos de conservação e estatuto de proteção, que tínhamos espécies endémicas de distribuição muito restrita e que “precisavam de ajuda”. Comecei assim a interessar-me por este grupo, no sentido de contribuir para a sua proteção.

W: Como é que começou?

Gonçalo Calado: Comecei a colecionar conchas aos 14 anos e a andar pelas praias e pelas redes dos pescadores à procura das espécies que aí se encontram. Só quando comecei o curso de Biologia é que me apercebi do vasto leque de grupos de moluscos e da sua diversidade de estratégias evolutivas. Interessei-me pelos nudibrânquios pelas razões já expostas.

W: O que o fascina mais nos caracóis, nudibrânquios e outras espécies marinhas?

Gonçalo Calado: Em geral fascina-me a diversidade biológica. Cada espécie é, regra geral, o resultado de um processo evolutivo longo, resistente e, por isso, vencedor. Seja uma planária ou um golfinho. Os grupos que escolhi para estudar não são melhores ou piores do que outros. Tão-só apareceram na minha vida em momentos-chave de tomadas de decisão e de oportunidade.

W: Quais são os principais desafios quando está a identificar espécies?

Gonçalo Calado: A memória visual (onde é que eu já vi isto? Quais são as características-chave?) e a escolha do habitat: “se eu fosse uma lesma comedora de esponjas, viveria aqui e não aqui”, “se eu fosse um caracol X viveria debaixo desta pedra e não debaixo desta”, etc.

W: Como tem sido participar no “Que Espécie é Esta?” 

Gonçalo Calado: É muito gratificante pôr o nosso conhecimento à disposição dos que se interessam pela diversidade biológica. Eu desde cedo que tive a ajuda de muita gente, amadores ou especialistas, e sinto que é também uma forma de retribuir toda a ajuda que tive.

W: Tem alguma história curiosa relacionada com o seu trabalho de identificação de espécies que gostasse de partilhar?

Gonçalo Calado: No verão, é costume muitas lebres-do-mar do género Aplysia irem dar às praias, em final de ciclo de vida. Às vezes são aos milhares e as pessoas assustam-se. O desconhecimento gera comportamentos de precaução, compreensíveis, mas também leva por vezes a decisões lamentáveis por parte mistura explosiva de autoridade e ignorância, como foi o caso do comunicado da ARS do Algarve em 2018 relativo à presença de uma destas espécies em grandes quantidades referindo-se a “picadelas destes invertebrados”. Foi muito interessante como a notícia se espalhou antes de me pedirem para atestar que a espécie é inofensiva. Uma lição de como a vida real funciona.


Embaixadores por Natureza é uma mini série da Wilder dedicada à rede de especialistas que, desde 2017, são o coração do “Que Espécie É Esta?”. É o nosso reconhecimento e obrigado a tantas horas passadas a olhar com carinho, e de forma voluntária, para “os nossos” bichos e plantas. E a dar-lhes um nome. Sai todos os dias, de 1 a 16 de Agosto.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.