Gonçalo Elias, de engenheiro electrotécnico a embaixador das aves

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Na nossa mini série que lhe apresenta os peritos que, nos bastidores, identificam as centenas de espécies que os nossos leitores nos enviam, perguntámos ao ornitólogo Gonçalo Elias porque se interessa tanto por aves.

Responsável pelo portal Aves de Portugal, Gonçalo Elias colabora com o consultório “Que Espécie é Esta?” desde o nascimento do projecto, em 2017. Fique a conhecer melhor este ornitólogo português. 


WILDER: Que idade tem e qual é a sua ocupação profissional?

Gonçalo Elias: Tenho 55 anos. Sou escritor, formador e ornitólogo. A minha formação académica é em Engenharia Electrotécnica e de Computadores.

W: Porque é que se dedicou à ornitologia?

Gonçalo Elias: Porque me apercebi de que era uma área com grandes lacunas a nível de conhecimento e constatei que poderia contribuir para aumentar esse conhecimento com as minhas observações.

W: E como é que começou?

Gonçalo Elias: O interesse surgiu na década de 1980 através de uma pessoa de família que começou a ver aves nos tempos livres e às vezes me convidava. Ao princípio eu ia apenas pelo passeio, mas a partir de certa altura tive vontade de começar a sistematizar os meus registos e então passei a anotar tudo aquilo que via. Ou seja, sempre que via uma ave, fazia o respectivo registo num caderno. E esse hábito mantém-se até à actualidade, com a diferença de que agora os registos são feitos de forma mais rápida directamente no telemóvel, graças à tecnologia que entretanto evoluiu.

W: O que é que o fascina mais nas aves?

Gonçalo Elias: Muitas coisas, mas há três que gostaria de destacar: as migrações, as distribuições e as vocalizações.

As migrações, porque as considero um fenómeno fascinante, em particular o facto de muitas espécies de aves percorrerem milhares de quilómetros todos os anos e conseguirem regressar no ano seguinte ao local onde nasceram.

As distribuições, porque são muito mais complexas do que imaginamos e gosto de tentar entender porque é que as espécies ocorrem em determinados locais e não noutros locais próximos, apesar das condições aparentemente favoráveis.

As vocalizações, porque nos dão a possibilidade de localizarmos e identificarmos as aves sem as vermos, através dos sons que produzem, o que faz aumentar de forma tremenda a nossa capacidade de detecção.

W: E quais são os principais desafios quando está a identificar espécies?

Gonçalo Elias: Não cometer erros de identificação. Embora saiba que os enganos são inevitáveis, não gosto de informação incorrecta e por isso, quando não tenho a certeza de uma identificação, prefiro omitir o registo do que fazer um registo incorrecto apenas com base em probabilidades. Há aqui alguma subjectividade, mas tento ser tão rigoroso quanto possível.

W: Como é que tem sido colaborar com o “Que Espécie é Esta”?

Gonçalo Elias: Tem sido uma experiência gratificante, na medida em que estou a ajudar outras pessoas a conhecerem melhor o mundo natural que as rodeia. Gosto de ajudar as pessoas a progredir, tal como outros me ajudaram a mim quando eu estava a começar.

W: E tem alguma história curiosa relacionada com o seu trabalho de identificação de espécies, que gostasse de partilhar?

Gonçalo Elias: Tenho várias, mas há uma de que gosto especialmente. Estávamos em finais de 1989 e, por essa altura, eu já tinha observado a maior parte das aves que ocorrem regularmente no nosso território. Mas o cortiçol-de-barriga-negra continuava a escapar-me. Nessa altura não havia muita informação publicada nem sites na internet com a informação dos avistamentos e por isso não era fácil saber onde é que cada espécie ocorria. 

Um dia, alguém me disse que a estrada que liga Castro Verde a Mértola seria um dos melhores locais para encontrar estes cortiçóis e assim, num fim-de-semana de Novembro, desafiei um amigo e juntos tomámos o comboio em direcção ao Baixo Alentejo, levando connosco as bicicletas, a fim de percorrermos a referida estrada e tentarmos encontrar a mítica ave. 

Em Castro Verde tivemos necessidade de nos dirigirmos à oficina local, para que fosse reparado um furo numa das bicicletas e desde logo aproveitei para perguntar ao dono da oficina se conhecia o cortiçol. Ao ouvir este nome, o homem sacudiu a cabeça, mas quando lhe mostrei a ilustração do meu guia de campo, a reacção não se fez esperar: “Ah, sei muito bem o que isso é! Isso é a barriga-negra! Isso dantes via-se muito! Mas vocês já não vão ver isso, que eles agora são muito raros. A não ser que tenham a sorte de vos passar um bando por cima da cabeça!”.

Apesar das perspectivas pouco animadoras, fizemo-nos à estrada. Lá para as bandas de Alcaria Ruiva, parámos para observar um corvo, eis senão quando avistámos duas aves castanhas, de silhueta pouco familiar, vindas de nordeste em voo rasante, que se dirigiam para nós a grande velocidade, exibindo o seu ventre escuro. Tão depressa como surgiram, assim desapareceram – Eram dois cortiçóis-de-barriga-negra!!! Tal como aventara o homem da oficina, as aves passaram mesmo “por cima da nossa cabeça”.


Embaixadores por Natureza é uma mini série da Wilder dedicada à rede de especialistas que, desde 2017, são o coração do “Que Espécie É Esta?”. É o nosso reconhecimento e obrigado a tantas horas passadas a olhar com carinho, e de forma voluntária, para “os nossos” bichos e plantas. E a dar-lhes um nome. Sai todos os dias, de 1 a 16 de Agosto.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.