Lince-ibérico. Foto: Programa de Conservação Ex-Situ

Há 124 espécies de mamíferos em risco de extinção local por causa de atropelamentos

Investigadores alertam que o atropelamento mundial de mamíferos pode fazer desaparecer populações de animais a nível local. Propõem uma ferramenta para ajudar a gerir este problema, numa altura em que estão previstos mais de 25 milhões de quilómetros de novas estradas.

Há várias populações de mamíferos que se podem extinguir em 50 anos se continuarem os actuais níveis de atropelamentos, disse Clara Grilo, investigadora do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM), polo da Ciências ULisboa, com sede na Universidade de Aveiro.

Clara Grilo lidera uma equipa de investigadores que avaliou, a nível mundial, o impacto dos atropelamentos nos mamíferos terrestres, entre 1995 e 2015. Essa equipa inclui membros do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO) – da rede de investigação em Biodiversidade e Biologia Evolutiva (InBIO) e do projeto BIOPOLIS em Portugal e investigadores de diferentes continentes.

Os resultados deste trabalho foram publicados a 10 de Setembro na revista Global Ecology and Biogeography.

Os investigadores estudaram qual o impacto dos atropelamentos em 71 populações de espécies de mamíferos ameaçados com registos de atropelamentos e ainda em espécies não ameaçadas com as taxas mais elevadas de atropelamento.

“Verificámos que populações do lobo-guará e gato-do-mato-pequeno no Brasil, a hiena-castanha na África do Sul e o leopardo no Norte da Índia podem extinguir-se localmente caso se mantenham os níveis de atropelamentos observados”, alertou, em comunicado, Clara Grilo.

A equipa avaliou o grau de vulnerabilidade à extinção de 4.677 espécies de mamíferos em todo o mundo. Dessas, 124 espécies são particularmente vulneráveis à mortalidade adicional por atropelamento, nomeadamente o lince-ibérico, o urso-pardo, o urso-negro, o tigre, o jaguar, o macaco-cauda-de-leão, com registos regulares de atropelamentos.

Ranking de vulnerabilidade para mamíferos

“Neste trabalho desenvolvemos uma ferramenta que permite avaliar o risco de extinção associado aos registos de atropelamentos observados no atual contexto de densidade de estradas e que pode ir sendo atualizado à medida que se vão obtendo novos dados de taxas de atropelamento das espécies em qualquer região do mundo”, explicou Clara Grilo.

De acordo com os investigadores, actualmente há planos de expansão da rede viária para promover o comércio global, especialmente em países emergentes da América Latina, Ásia, África e Europa.

“Estas novas infraestruturas vão facilitar o fluxo comercial regional e intercontinental através da construção de mais de 25 milhões de quilómetros de novas estradas. A expansão da rede viária corresponde a um aumento de 60% no comprimento total das estradas em relação a 2010 e vai colidir com os objetivos globais de sustentabilidade ambiental”, comentou a cientista, que se doutorou em Biologia da Conservação pela Ciências ULisboa.

Clara Grilo salientou que “estas novas estruturas rodoviárias vão cruzar áreas ambientalmente sensíveis onde ocorrem várias espécies ameaçadas”.

Para ajudar a gerir o problema, esta equipa desenvolveu um ranking de vulnerabilidade das espécies ao risco de extinção devido ao atropelamento.

Essa ferramenta “permite que agências de infraestruturas rodoviárias, organizações não governamentais de ambiente e equiparadas e administração pública possam identificar, com base na áreas de distribuição das espécies, os segmentos de estradas que devem ser sujeitos a programas de monitorização de atropelamentos”.

Os investigadores esperam que, desse modo, possa ser mais fácil “accionar as medidas mais adequadas para evitar que haja um aumento do risco de extinção local nessas populações”, acrescentou Clara Grilo.

A equipa que assina este artigo pretende continuar a trabalhar nesta área científica para melhorar o modelo e desenvolver um software que possa ser aplicado a todas as espécies ao mesmo tempo.

“É uma ferramenta que vai ser essencial para cada país poder perceber quais são as espécies mais vulneráveis”.

Neste momento procuram fontes de financiamento para desenvolver o software. “Temos pessoas que sabem o que fazer, precisamos de tempo e de dinheiro para poder contratar.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.