Coruja-das-torres. Foto: Carlos Delgado/WikiCommons

Há em Portugal entre 800 e 5000 casais reprodutores de coruja-das-torres, revela o primeiro censo a esta ave

O primeiro Censo Nacional da População Nidificante de Coruja-das-torres (Tyto alba) revelou esta semana que existem em Portugal entre 800 e 5000 casais reprodutores desta ave. As contagens contaram com a preciosa ajuda de mais de 1.100 voluntários.

A adesão de centenas de cidadãos que ajudaram neste censo foi salientada pelos seus organizadores. “Estamos muito satisfeitos com a adesão, quer dos voluntários do GTAN (Grupo de Trabalho de Aves Nocturnas, da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, SPEA) quer do público em geral”, disse à Wilder Inês Roque, uma das pessoas que coordenou o Censo e que faz investigação sobre estas e outras aves de rapina nocturnas no LabOr – Laboratório de Ornitologia, da Universidade de Évora. “Não teríamos conseguido estes resultados se não fosse a dedicação de todos os participantes!”

Coruja-das-torres. Foto: Luc Viatour/Wiki Commons
Coruja-das-torres. Foto: Luc Viatour/Wiki Commons

O Censo foi feito por 268 colaboradores voluntários do Grupo de Trabalho em Aves Noturnas (GTAN) da SPEA, pessoas com experiência em monitorização de aves noturnas, e pelo público em geral.

As contagens pelos ornitólogos aconteceram nos dias 3, 4, 5 e 10, 11 e 12 de março de 2023. Nesses dias, estes peritos reproduziram gravações de coruja-das-torres em 1131 pontos de escuta definidos pelos 24 coordenadores regionais (que variaram entre os 163 em Lisboa e os seis em Vila Real). Os pontos de escuta distanciavam entre si pelo menos dois quilómetros, decorreram entre 30 minutos e três horas após o ocaso e duraram 23 minutos.

Segundo o censo, “foram detetadas 340 presenças de coruja-das-torres, correspondendo a uma frequência de deteção de 30%. Por distrito, o número de pontos de escuta com presença de coruja-das-torres variou entre 2 (Vila Real) e 43 (Lisboa), e a frequência de deteção variou entre 13% (Castelo Branco) e 61% (Coimbra)”.

Nesses mesmos dias, os cidadãos também participaram em 150 locais por eles definidos. Os voluntários pertenciam a escolas, a grupos organizados (como agrupamentos de escuteiros e associações) e à população em geral. Os pontos decorreram após o ocaso, sem limite de tempo ou de repetições, embora com a duração indicativa de 10 minutos.

Além deste trabalho no terreno, o Censo recebeu ainda 414 inquéritos submetidos entre Janeiro e Junho de 2023 através de formulários online, dando conta da localização de ninhos, poisos ou avistamentos.

Abrir o censo à participação do público em geral deu-nos 34% mais dados, em termos de distribuição, do que se apenas tivessem participado voluntários experientes. Adicionalmente, permitiu-nos recolher dados no arquipélago da Madeira, onde não conseguimos reunir voluntários para o censo sistemático”, salientaram os organizadores da iniciativa.

“No total, foram contabilizadas 405 presenças de coruja-das-torres, 344 nos inquéritos e 61 nos pontos de escuta”, segundo o Censo.

uma coruja-das-torres em voo
Coruja-das-torres. Foto: Edd Deane/Wiki Commons

“A estimativa populacional da coruja-das-torres em 2023, com base na combinação de dados do censo nacional e do PortugalAves/eBird, corresponde a um intervalo entre 800 e 5000 casais reprodutores (Portugal continental e Madeira). O valor mínimo de casais reprodutores em Portugal continental foi estimado em 812, enquanto a estimativa máxima para o continente foi de 4844. Por forma a obter um intervalo mais conservador e a incluir a população reprodutora na Madeira os limites foram ajustados.”

Estes números são mais baixos do que contagens anteriores. No 1º Atlas das Aves Nidificantes em Portugal (Rufino 1989), realizado entre 1978 – 1984, foram registados entre 1000 e 10000 casais de corujas-das-torres no país. A contagem anterior, relativa ao período 2005 a 2014, dava conta de 5700 a 8100 casais.

“O limite superior da estimativa da população portuguesa de coruja-das-torres em 2023 (800 – 5.000 casais reprodutores) foi inferior ao limite inferior estimado em 2005-2014 (5.700 – 8.100 casais reprodutores). Isto é concordante com as atuais estimativas de tendência populacional decrescente a curto prazo para a Península Ibérica e a Europa”, salientou Inês Roque. “Mas não podemos comparar as estimativas porque não foram calculadas da mesma maneira. Por isso é que é importante comparar os resultados do censo de 2023 com outra edição do mesmo censo, realizado durante um único período de reprodução e com a mesma metodologia.”

“O primeiro censo nacional serviu precisamente para estabelecer uma base de referência. A taxa de deteção da coruja-das-torres neste censo foi de 30%. O próximo passo é comparar esta taxa com a obtida em censos futuros, com a mesma metodologia”, acrescentou.

Questionada pela Wilder sobre a data do próximo censo, Inês Roque referiu que “ainda não sabemos, mas possivelmente daqui a cinco (ou mais) anos”.

Coruja-das-torres. Foto: Lubos Houska/WikiCommons

São várias as ameaças à coruja-das-torres.

“A diminuição das populações de coruja-das-torres pode resultar de uma combinação de fatores, como a perda de áreas de alimentação, principalmente devido à intensificação da agricultura, o desaparecimento dos locais de nidificação e o aumento dos atropelamentos”, enumerou a especialista. “A espécie também pode ser afetada pelo uso de pesticidas, que acumula no seu corpo quando se alimenta de presas contaminadas.”

Conservar a coruja-das-torres

Perante esta situação, há coisas que todos podemos fazer para ajudar a conservar esta ave.

Segundo Inês Roque, é muito importante “não perturbar as corujas-das-torres nos seus ninhos, uma vez que ocupam frequentemente edifícios e podem abandonar o território permanentemente em consequência de uma intrusão”.

De acordo com o Censo, “a maioria das posturas inicia-se em março, mas também podem acontecer antes ou depois. Se for perturbada nesta fase é muito provável que a coruja abandone os ovos e, possivelmente, o território”.

Inês Roque acrescenta que não se deve “usar venenos para ratos, porque podem envenenar também as corujas-das-torres que se alimentam junto às nossas casas. Não sabemos a extensão desta ameaça em Portugal, mas há países em que 95% das corujas-das-torres estão contaminadas com raticidas! Dependendo da dose, o veneno pode matar as corujas ou afetar o seu sucesso de caça e de reprodução”.

Coruja-das-torres (Tyto alba). Foto: Steven Ward/Wiki Commons

Outra coisa que podemos fazer para ajudar é “ser cientista cidadão. Toda a gente pode ajudar, independentemente do seu nível de experiência. Podem começar desde já a treinar a identificação da coruja-das-torres para participarem no próximo censo!”, sugere.

“Visitem este site para saber como identificar, e onde e quando observar não só esta, mas as sete espécies de aves de rapina noturnas que existem em Portugal. Para contribuir desde já, podem preencher o inquérito online do censo, que continua disponível e permite registar observações de todas estas espécies. Todos os registos são muito bem-vindos! Quem já tem ou quer adquirir mais experiência pode também juntar-se ao Grupo de Trabalho em Aves Noturnas da SPEA, como voluntário do Programa NOCTUA Portugal.”

Actualmente está a decorrer o projeto TytoTagus, uma parceria entre o LabOr – Laboratório de Ornitologia da Universidade de Évora e a Companhia das Lezírias, S.A.

A Lezíria de Vila Franca de Xira é considerada uma área muito importante para a coruja-das-torres. É ali que se “juntam muitas corujas-das-torres durante uma fase crítica do seu ciclo de vida – o período de dispersão pós-natal. Nesta altura, as corujas juvenis deixam o ninho onde nasceram e partem em busca de um local para se estabelecerem. É um período em que são frágeis, porque ainda não têm muita experiência a caçar e gastam muita energia a explorar o mundo”, segundo Inês Roque.

“Mais de metade das corujas que nascem em cada ano morrem atropeladas durante a dispersão pós-natal, devido à sua inexperiência e à “tentação” de caçar junto às estradas, por haver muitas presas que se refugiam nas bermas.”

O projeto TytoTagus monitoriza ninhos e faz anilhagem de juvenis desde 2006. Desde 2007, os peritos fazem ainda transectos de automóvel, durante a noite, para monitorizar a abundância de coruja-das-torres. “O percurso tem 22 quilómetros e é percorrido a uma velocidade de cerca de 40 km/h duas vezes por mês, entre agosto e dezembro, com a ajuda de um foco para iluminar as corujas. No primeiro ano contámos até 110 corujas-das-torres num destes transectos. Quinze anos depois, contámos no máximo 43. (…)”

O Censo Nacional de Coruja-das-torres foi promovido pelo Grupo de Trabalho em Aves Noturnas da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (GTAN-SPEA) e pelo Laboratório de Ornitologia do MED, Universidade de Évora. O envolvimento dos cidadãos decorreu no âmbito dos projetos “Ciência Cidadã: envolver voluntários na monitorização das populações de aves” e “Ciência para todos: sustentabilidade e inclusão (SCIEVER)” (HORIZON-MSCA-2022-CITIZENS-01-01).


Saiba mais.

Saiba aqui qual a diferença entre mocho e coruja.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.