Cagarro juvenil. Foto: Tânia Pipa

Ilha do Corvo apaga as luzes para salvar as aves marinhas

Início

Até 8 de Novembro, a iluminação pública fica apagada entre as 00h00 e as 06h00. De 25 a 30 de Outubro, o período mais crítico, todas as noites entre as 21h00 e as 4h00 haverá um apagão geral. 

Esta medida, que teve início na última sexta-feira, 15 de Outubro, “pretende proteger o grupo de aves mais ameaçadas do mundo” e também “sensibilizar para a problemática da poluição luminosa e incentivar outros municípios da Região a aderirem”, explica a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), numa nota de imprensa enviada à Wilder.

Com efeito, é nos Açores que habita “a maior população nidificante da mais emblemática ave marinha da Macaronésia, o cagarro (Calonectris borealis)”, adianta a organização não governamental de ambiente (ONGA), que promove esta iniciativa em parceria com a Câmara Municipal do Corvo. A Macaronésia é uma região biogeográfica constituída pelos arquipélagos dos Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde.

É agora, entre Outubro e Novembro, que acontece o “período mais crítico” no que respeita à poluição luminosa para o cagarro, como é conhecida a cagarra nos Açores. Por estes dias, aves marinhas desta e de algumas outras espécies “estão a abandonar os ninhos e a fazer-se ao mar”.

“Para evitar predadores, fazem-no de noite, mas as luzes das nossas vilas e cidades deixam-nas muitas vezes encandeadas, desorientando as jovens aves que acabam por cair por terra, podendo ser predadas por cães e gatos, perecer por colisão, desidratação e inclusive diminuir a sua probabilidade de atingirem a idade adulta, não só nos Açores, mas também na Madeira e nas Canárias”, alerta a SPEA.

Cagarro juvenil. Foto: Tânia Pipa

O apagão deste ano é “uma expansão face a iniciativas anteriores” no Corvo – em particular em 2020, quando se realizou o primeiro apagão geral a nível mundial, com o apoio de 207 habitantes da ilha açoriana. “Sendo a poluição luminosa uma ameaça prioritária para a Macaronésia com diversos projetos a contribuírem para o aumento do conhecimento do impacto da poluição luminosa nas aves marinhas e a importância de uma política de eficiência energética, é essencial uniformizar medidas para proteger estas espécies e alcançar as almejadas metas de conservação e turismo sustentável”, apela a SPEA.

Laboratório de poluição luminosa

O aumento dos períodos de mitigação da ameaça, segundo a ONGA portuguesa, insere-se no projeto Interreg EElabs. Em vista está a avaliação dos efeitos da poluição luminosa na população de aves marinhas e nas noites naturais, através da recolha de informação do primeiro e até agora único Laboratório de Poluição Luminosa dos Açores, instalado em Julho passado na ilha do Corvo.   

“A SPEA e os seus parceiros esperam assim que outros municípios e ilhas por toda a Macaronésia sigam o exemplo do Corvo desligando as luzes em períodos críticos para minimizarem esta ameaça a curto-prazo e para que possam ocupar, assim como a ilha do Corvo, um lugar de destaque na preservação das aves marinhas”, apela a associação ambiental, lembrando que por esta razão “a mais pequena ilha do arquipélago reclama o estatuto de Santuário para as Aves Marinhas”.   

Os apagões no Corvo contribuem também para o sucesso da campanha SOS Cagarro, “a mais antiga e mediática campanha de educação e conservação ambiental nos Açores”, desenvolvida pelo governo do arquipélago. Nesta campanha, na qual a SPEA colabora desde 2009, grupos de voluntários percorrem o Corvo e outras ilhas açorianas em busca de cagarros caídos, libertando-os em segurança junto ao mar.

Com objectivos semelhantes, desde há 10 anos tem vindo a ser também realizada na ilha do Corvo a campanha SOS Estapagado, “com o intuito de salvar, sensibilizar e minimizar o impacto da poluição luminosa sobre este primo mais pequeno do cagarro, o estapagado (Puffinus puffinus).”


Conheça melhor, com a ajuda do Atlas das Aves Marinhas de Portugal, o cagarro ou cagarra e o estapagado, também conhecido por fura-bucho do Atlântico.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.