Leitores: Pode a cabra montês regressar a Portugal?

O leitor da Wilder Daniel Veríssimo, um economista maravilhado com a vida selvagem, escreve sobre a cabra montês (Capra pyrenaica), um fantástico animal que em Portugal apenas existe na Peneda-Gerês.

A cabra montês (Capra pyranaica), a cabra que não precisa de pastor.

Capra pyrenaica. Foto: Javier García Diz/WikiCommons

No passado existiam quatro subespécies de cabra montês, a Capra pyrenaica hispanica que se estendia pelas serras junto ao Mar Mediterrâneo no sul de Espanha, a Capra pyrenaica victoriae que estava presente ao longo da cordilheira central da Península e duas que hoje estão extintas, a Capra pyrenaica lusitanica originária das zonas acidentadas do Norte de Portugal e Cantábria e a Cabra pyrenaica pyrenaica que habitava a cordilheira dos Pirinéus.

A caça, a perda de habitat e a competição com rebanhos de cabras domésticas são as principais razões para o desaparecimento da espécie de grandes partes da sua distribuição histórica.

As pinturas rupestres na zona do Douro ou os registos fósseis na gruta do Caldeirão perto de Tomar e em Vale de Boi, no Algarve, são sombras antigas da cabra montês na paisagem portuguesa.

Hoje, em Espanha existem várias dezenas de milhares de animais desde as montanhas altas e frias da Serra de Gredos, às portas de Madrid, às orlas costeiras quentes das zonas acidentadas do Mediterrâneo de Málaga a Valência até aos desfiladeiros interiores da Serra de Albarracín na Catalunha.

Fêmea de cabra montês na Serra de Gredos, em Espanha. Foto: El fosilmaníaco/WikiCommons

Em França, a espécie voltou recentemente aos Pirinéus e, apesar de a subespécie original estar extinta, outra ocupa o seu lugar desempenhando as mesmas funções.

Mas enquanto em Espanha e França a espécie recupera territórios antigos, em Portugal está restrita à zona do Parque Nacional da Peneda Gerês e a sua presença é resultado de um programa de reintrodução do lado Espanhol. Apesar de existirem várias áreas com potencial habitat favorável, como as terras frias da Serra da Estrela, a orla costeira da Serra da Arrábida ou aos desfiladeiros do Douro e do Tejo, não existem planos para a espécie reconquistar novas áreas em Portugal.

A cabra montês é uma espécie que desempenha uma função única que, tirando a camurça, mais nenhum herbívoro na Península consegue desempenhar: a pastagem em zonas acidentadas. O pastoreio em zonas acidentadas é fundamental para controlar a quantidade de biomassa na paisagem, mitigando o risco de incêndios.

De um ponto de vista económico, a cabra montês poderá poupar custos na gestão do território. Por não existirem cabras montesas é preciso utilizar meio mecânicos, humanos e até cabras domésticas para replicar o papel da espécie na limpeza de matos, com custos que podem ser bastante elevados (entre 350 a 1200 euros por hectare).

Por ser uma importante presa do lobo-ibérico poderá ainda diminuir os custos com indemnizações. Quando o lobo ataca animais domésticos – na maioria dos casos cabras, ovelhas e vacas – o ICNF compensa os produtores pela perda de animais. Caso haja mais presas selvagens como a cabra montês, a probabilidade de conflitos diminui levando a uma redução dos custos.

Por último, por ser uma espécie carismática pode promover o turismo de natureza em meios rurais.

Cabra montês. Foto: Benjamín Núñez González/WikiCommons

O regresso da cabra montês poderá evitar custos na gestão de ecossistemas, criar uma paisagem mais resiliente às alterações climáticas ao prevenir incêndios e criar novas oportunidades para o desenvolvimento económico através do turismo de natureza.

Seria ainda uma boa medida para a Década de Restauro de Ecossistemas das Nações Unidas que se celebra de 2021 a 2030, uma ação que poderá ser incluída na estratégia para a Biodiversidade 2030 da União Europeia que procura restaurar ecossistemas degradados e um símbolo de esperança ao demostrar que é possível espécies extintas há dezenas e mesmo centenas de anos recuperarem territórios antigos.

A cabra montês pode regressar a Portugal. Resta perguntar quando?


O leitor da Wilder Daniel Veríssimo é um economista maravilhado com a vida selvagem. Acredita que é possível a ciência económica criar argumentos para a preservação e restauro do mundo natural.