Lobo-ibérico. Foto: Arturo de Frias Marques/Wiki Commons

Mina de lítio em Montalegre ameaça extinguir alcateia de lobos em Trás-os-Montes

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A mina de lítio do Romano, em Montalegre, está prevista para locais que o lobo-ibérico escolhe, há 30 anos, para se reproduzir por terem condições únicas. A exploração pode mesmo fazer desaparecer toda uma alcateia já a sofrer de furtivismo, destruição de habitat e com sucesso reprodutor muito baixo, alertam os conservacionistas.

O lobo-ibérico (Canis lupus signatus) é uma espécie protegida e o único membro que resta da família dos grandes predadores de Portugal. Estará reduzido a entre 50 a 60 alcateias.

Até aos anos 30 do século XX, o lobo-ibérico distribuía-se por todo o país, até ao Algarve. Com o passar dos anos, foi sendo empurrado para norte, concentrando-se hoje em núcleos no Alto Minho, Trás-os-Montes e numa região a Sul do Douro.

Este carnívoro sempre enfrentou dificuldades para a sua sobrevivência, mas nos últimos anos essa fasquia tem vindo a subir. Mais recentemente, as notícias da luz verde dada pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) à Mina de Lítio do Romano, em Montalegre, trouxeram um problema extra a juntar ao furtivismo e à perda dos seus territórios.

Esta quinta-feira, a plataforma Lobo-Ibérico.pt, recentemente criada por quatro conservacionistas – incluindo três biólogos que têm dedicado a sua vida ao estudo e à conservação do lobo-ibérico – alertou que esta mina poderá ditar o fim de toda uma alcateia: a alcateia do Leiranco. Esta alcateia, sublinham, é “um dos grupos reprodutores de lobo com maior estabilidade que existe fora de áreas protegidas na região central de Trás-os-Montes”, com um território de cerca de 150 quilómetros quadrados.

Os conservacionistas alertam que a área de concessão da mina com 30 hectares – incluindo as zonas de exploração a céu aberto e a refinaria – poderá afectar cerca de 20% do espaço vital necessário para a sobrevivência deste grupo reprodutor. A isso junta-se a perturbação humana, sonora e visual “numa envolvente considerável”.

Segundo a plataforma, a área de exploração mineira localiza-se numa das principais zonas de actividade e refúgio daquela alcateia, “uma vez que se sobrepõe, na sua íntegra, com locais utilizados pelo lobo para se reproduzir ao longo das últimas três décadas, onde a presença de crias tem vindo a ser detectada entre 1995 e 2021”. A área prevista para a mina tem, então, “condições para refúgio e reprodução do lobo que são únicas e sem paralelo” na região, “face à reduzida disponibilidade de locais alternativos adequados”.

Os conservacionistas alertam que o projecto terá “um impacte negativo de elevada magnitude sobre o lobo-ibérico, levando à destruição do actual local de cria, à expectável redução no sucesso reprodutor e a alterações no uso do espaço que, no seu conjunto, poderão impossibilitar a sobrevivência deste grupo reprodutor de lobos”.

A plataforma recorda ainda que estes lobos poderão ser afectados por outros projectos de exploração mineira na região, como a Mina do Barroso, no concelho de Boticas, a menos de 15 quilómetros de distância, e por parques eólicos, centrais solares, albufeiras, aproveitamentos hidroeléctricos e rede viária.

“Os locais de reprodução do lobo-ibérico, espécie protegida por Lei, têm de ser áreas de conservação importantíssimas para salvaguardar”, comentou esta sexta-feira Francisco Álvares, contactado pela Wilder. Este biólogo estuda a espécie desde 1994, actualmente no BIOPOLIS-CIBIO, e é um dos membros da plataforma Lobo-Ibérico.pt.

Além do mais, o Plano de Acção para a Conservação do Lobo-ibérico em Portugal, aprovado em 2017, define como objectivo geral assegurar as condições necessárias de integridade e tranquilidade das áreas de reprodução do lobo, prevendo vários objectivos operacionais e acções prioritárias. No entanto, adverte a plataforma, “até à data ainda nada foi implementado”.

Francisco Álvares acrescenta que, segundo a monitorização que tem sido feita aos lobos da região, “este ano poucas alcateias se reproduziram e a mortalidade foi enorme por causa do furtivismo”. “Os lobos têm cada vez menos sucesso reprodutor”, alerta. Além disso, “tem havido muita perturbação por causa da abertura da rede primária de acessos”, no âmbito dos trabalhos para combater os incêndios florestais, “feita em plena época de reprodução do lobo, com crias”.

Na sua opinião, além da conservação dos locais de reprodução do lobo, já identificados, importa trabalhar a médio e longo prazo, nomeadamente “melhorando as florestas nativas para poderem albergar uma comunidade diversa e abundante de presas silvestres”.

O lobo-ibérico tem em Portugal, desde 1990, o estatuto de ameaça Em Perigo. É a única espécie da fauna portuguesa que tem uma legislação específica, pela qual é protegida. É uma espécie Em Perigo de extinção, segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal Continental, com cerca de 300 indivíduos, menos de metade dos quais são animais reprodutores capazes de contribuir para a continuidade da população.


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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.