Morcego atravessa a Europa em migração de 2.200 quilómetros

Um morcego de Nathusius surpreendeu investigadores internacionais ao fazer a maior migração conhecida de um morcego, voando mais de 2.200 quilómetros da Letónia a Espanha.

O morcego de Nathusius (Pipistrellus nathusii) é um pequeno morcego migrador que pesa pouco mais de 10 gramas.

Foto: Evgeniy Yakhontov

Vive um pouco por quase toda Europa, incluindo em Portugal.

Parte da população desta espécie é sedentária. Na Península Ibérica, por exemplo, há morcegos que passam todo o ano no mesmo lugar. Mas há outra parte que é migradora.

“Uma grande parte dos morcegos de Nathusius que vivem no Norte da Europa migram para Sul, às vezes até Sudeste e outras vezes para Sudoeste. Percorrem centenas de quilómetros, às vezes milhares, à procura de zonas onde o Inverno é mais suave”, explicou à Wilder Juan Tomás Alcalde, investigador da Associação Espanhola para a Conservação e Investigação de Morcegos, SECEMU, da Universidade de Alcalá de Henares (Madrid).

Num artigo publicado a 20 de Outubro na revista Mammalia, os investigadores descobriram um morcego de Nathusius macho que viajou mais de 2.200 quilómetros nas suas migrações, desde a Letónia até ao Norte de Espanha.

Entre 2014 e 2018, uma equipa de investigadores fez campanhas de anilhagem destes morcegos na Estação Ornitológica de Pape, na zona costeira da Letónia, mesmo no corredor migratório desta espécie ao longo do Mar Báltico. O objetivo era descobrir se os padrões de migração desta espécie, estudados nos anos 80 e 90, estão ou não a mudar com as alterações climáticas.

Agora, os investigadores descobriram um morcego de Nathusius macho, anilhado no Parque Natural Pape a 21 de Agosto de 2015 e recuperado na Reserva Natural da Lagoa de Pitillas, em Navarra, Espanha, a 12 de Março de 2017.

Migração do morcego de Nathusius desde Pape (Letónia) para Pipilas (Espanha).
Foto: Mammalia 2020; 10.1515/mammalia-2020-0069

“Esta observação sugere que este animal voou uma distância mínima de 2.224 quilómetros pela Europa. Até agora, este é o movimento mais longo alguma vez registado para um morcego no mundo e o único que ultrapassa os 2.000 quilómetros”, escrevem os investigadores.

O anterior recorde de migração de longa distância pertencia também a um macho de morcego de Nathusius que voou 1.905 quilómetros desde a Letónia até França.

Os morcegos de Nathusius seguem a linha costeira dos países do Báltico, o que sugere que este macho não migrou da Letónia para Espanha em linha recta. Por isso, a distância viajada poderá ser superior aos 2.224 quilómetros, acreditam os investigadores.

Esta distância surpreendeu os peritos. “O movimento migratório observado é o maior do mundo de um morcego”, disse Juan Tomás Alcalde, o principal autor do artigo científico. “Já tinhamos visto morcegos de Nathusius a chegar à Península Ibérica em finais de Agosto e a ficar até Maio, mas pensávamos que eram animais procedentes de França ou da Alemanha, não mais para Norte”, acrescentou.

Por isso “foi uma surpresa muito grande encontrar este animal. E é preciso lembrar que este morcego foi marcado na Letónia quando estava a migrar para Sul, ou seja, poderia vir ainda de zonas mais a Norte.”

Para se prepararem para estas épicas migrações, os pequenos morcegos “engordam muito, aumentando até 30% o seu peso corporal”, disse Juan Tomás Alcalde.

Além disso, acrescenta, continuam a alimentar-se durante a migração, fazendo paragens em zonas com abundância de insectos e seguindo a sua rota para Sul.

Foto: Evgeniy Yakhontov

“É um morcego de voo rápido e que, normalmente, voa a grandes alturas, por cima da copa das árvores”, explicou o investigador à Wilder. “Em alguns casos observaram-se a migrar pela costa; outros, encontraram-se, inclusivamente, a migrar sobre o mar, tendo sido vistos a descansar em navios ou plataformas de gás natural ou petróleo.”

A importância de ajudar estes pequenos grandes migradores

Censos recentes sugerem que a população do morcego de Nathusius está a aumentar no Norte da Europa. Nos últimos anos, a espécie tem sido vista regularmente no Norte de Espanha (Astúrias, Navarra, Catalunha, País Basco e Cantábria).

Os investigadores acreditam que o Norte da Península Ibérica poderá ser um local de invernada importante para as populações migradoras de morcegos de Nathusius. 

Tanto Pape, na Letónia, como Pipilas, em Espanha, são zonas húmidas muito importantes para as aves migradoras. E para os morcegos, oferecendo habitats perfeitos para caçarem.

Os investigadores defendem que devem ser envidados esforços a nível internacional para reduzir a mortalidade destes morcegos ao longo da sua rota migratória e para proteger os habitats essenciais à sua migração.

“Este artigo dá-nos um dado relevante porque nos indica que este morcego, que apenas pesa entre 6 e 15 gramas, pode atravessar todo o continente nos seus movimentos migratórios, o que implica uma acção conjunta de todos os países envolvidos na sua conservação”, considerou Juan Tomás Alcalde.

Hoje esta espécie é vítima muito frequente de parques eólicos, pelo que “seria conveniente saber quantos morcegos migram estas distâncias, quais as suas rotas migratórias e não instalar parques nelas”, defendeu o investigador.

Juan Tomás Alcalde acredita que estes morcegos de Nathusius migradores podem chegar a Portugal. “Conhecemos a presença de morcegos de Nathusius na cordilheira cantábrica (Navarra, País Basco, Cantábria, Astúrias). Contudo não há dados da Galiza. Acreditamos que alguns destes animais chegam do Centro e do Norte da Europa. Não seria de estranhar que alguns cheguem ao Norte ou ao Centro de Portugal. O tempo o dirá.”


Saiba mais.

Descubra quais as espécies de morcegos de Portugal no site do Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental, em curso.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.