Novo projecto de agricultura intensiva no Alentejo está a destruir plantas ameaçadas

Pormenor da Bellevalia trifoliata, uma das plantas em risco ameaçadas pelo novo projecto. Foto: Miguel Porto / Flora-On

A denúncia foi feita este sábado pela Zero, que alerta para a necessidade de revisão da Rede Natura 2000 e de um Cadastro Nacional dos Valores Naturais Ameaçados.

A instalação de um novo projecto de agricultura intensiva junto a Beringel, no concelho de Beja, está a destruir populações importantes de quatro espécies de flora ameaçadas, devido ao arranque do olival tradicional que existia naquele espaço e à mobilização dos terrenos.

O alerta foi lançado pela Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável, que em comunicado avança que em causa estão desde logo populações de Linaria ricardoi. Esta planta delicada está Em Perigo de extinção e é um endemismo português, só podendo ser encontrada nas searas e olivais de sequeiro do Baixo Alentejo.

Linaria ricardoi. Foto: C. E. Ramalho/Flora-On

A pequena Linaria ricardoi é também alvo de conservação prioritária a nível europeu, no âmbito da Directiva Habitats.

Mas esta não é a única espécie sob ameaça. De acordo com esta organização não governamental de ambiente (ONGA), a instalação deste projecto de agricultura intensiva está também a destruir populações de Bellevalia trifoliata (Criticamente em Perigo), de Echium boissieri (Vulnerável) e de Galium viscosum (Vulnerável).

Bellevallia trifoliata. Foto: Miguel Porto / Flora-On

Segundo a ZERO, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) já foi informado, mas “as expectativas em relação à eficácia de atuação da referida entidade são quase nulas, atendendo ao facto de estarmos em presença de locais que estão fora de áreas classificadas”.

A EDIA – Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas de Alqueva foi também informada. Além de gerir os perímetros de rega , a EDIA “tem compromissos assumidos na conservação da espécie de conservação prioritária Linaria ricardoi“. Isto porque parte dos terrenos onde esta planta pode ser encontrada coincidem com as áreas sujeitas à instalação de regadio.

E a Rede Natura 2000?

O que está a acontecer em Beringel é mais um caso de “deficiências graves” na aplicação da legislação europeia ligada à Directiva Habitats, afirma a Zero. Esta determina que os Estados-membros, incluindo Portugal, têm de assegurar a preservação dos habitats de espécies de interesse comunitário – como a Linaria ricardoi – delimitando áreas com esse objectivo, que fazem parte da Rede Natura 2000.

Só que no caso da Linaria ricardoi, por exemplo, as suas populações estão quase todas localizadas fora dos 992 hectares que formam a Zona Especial de Conservação “Alvito – Cuba”, definida no ano 2000 – “situação que há anos é do conhecimento do ICNF”.

Segundo a ONGA liderada por Francisco Ferreira, esta questão foi dada a conhecer recentemente ao Ministério do Ambiente e Ação Climática, acompanhada de uma proposta para a adição de novas áreas à ZEC “Alvito – Cuba”, com o objectivo de garantir a protecção desta espécie endémica face ao número crescente de projectos de agricultura intensiva. No entanto, o alerta “foi completamente ignorado pela equipa ministerial.”

Falta um cadastro nacional dos valores naturais

Por outro lado, continua em falta um Cadastro Nacional dos Valores Naturais Ameaçados, acrescenta a associação. Em causa está um “arquivo de informação sobre os valores naturais classificados e as espécies vegetais ou animais a que seja atribuída uma categoria de ameaça”, de acordo com critérios internacionais definidos pela União Internacional para a Conservação da Natureza

“Apesar de previsto no Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Biodiversidade publicado em 2008, este importante instrumento de apoio à tomada de decisão continua a não existir”, sublinha a Zero, que acrescenta que já está disponível uma parte importante da informação produzida pelos actuais projectos de listas vermelhas e de revisão de livros vermelhos. É desde logo o caso da Lista Vermelha das Plantas Vasculares, cujas conclusões foram publicamente apresentadas em Outubro passado.

A publicação deste catálogo nacional “permitiria definir adequadamente as prioridades e gizar soluções de intervenção consequentes que melhorassem o estado de conservação das espécies e dos seus habitats”.

Prioridade à revisão da Rede Natura 2000

A associação portuguesa considera também que o Ministério do Ambiente deveria encontrar recursos humanos e financeiros para se concentrar “na preservação dos valores naturais ameaçados, muitos dos quais localizados fora das áreas classificadas (áreas protegidas, Rede Natura 2000 e outras resultantes de compromissos internacionais do Estado)”.

Parece ser urgente começar por melhorar a coerência ecológica e a eficácia da Rede Natura 2000, com a criação de novos Sítios [de Interesse Comunitário] e a revisão de limites de ZEC já existentes, sendo o caso de Linaria ricardoi a situação que requer mais atenção no imediato, antes que mais populações desapareçam”, sublinham os ambientalistas.

Estes defendem ainda que se inicie um debate na sociedade portuguesa para que se encontrem soluções que limitem fortemente as pressões e ameaças sobre outros animais e plantas em risco. “Sob pena – avisam – de assistirmos à extinção de mais algumas plantas e animais nos próximos anos em Portugal.” 


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Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.