abutre do Egipto em grande plano
Abutre-do-Egipto. Foto: Pixabay

O abutre-do-Egipto Doce quebrou recorde de longevidade da sua espécie aos 30 anos

Conservacionistas descobriram o abutre-do-Egipto mais velho, que se conhece, a viver em estado selvagem, graças a projectos de monitorização. Doce terá 30 anos de idade e continua a migrar entre Espanha e África todos os anos.

O abutre-do-Egipto, também conhecido como britango, (Neophron percnopterus) é a única espécie de abutre da Europa verdadeiramente migradora de longa distância. Graças a esforços de monitorização que começaram há cerca de 20 anos, uma equipa de conservacionistas conseguiu identificar o abutre-do-Egipto mais velho conhecido em estado selvagem.

Os investigadores capturaram este macho em Julho de 1993 em Bardenas Reales, no Norte de Espanha, altura em que teria dois anos de idade, uma estimativa feita a partir das suas penas.

Em Junho de 2020, o mesmo indivíduo foi recapturado como adulto com território marcado nos Pirinéus Catalães, a 200 quilómetros de distância. Teria, então, 29 anos de idade.

O abutre capturado em 1993 (esquerda) e em 2020 (direita). Fotos: Donázar & Margalida, 2021

Segundo um artigo recentemente publicado na revista científica Frontiers in Ecology and the Environment, esta descoberta terá quebrado o recorde de longevidade para um abutre-do-Egipto na natureza.

Há quase 30 anos, José Antonio Donázar recordar-se de ter capturado 21 aves para lhes colocar anilhas. Uma delas era este macho. Só voltaria a ser visto em Junho de 2020 quando outro grupo de investigadores, entre os quais Antoni Margalida, o recapturou. Nessa altura, os investigadores colocaram um dispositivo GPS neste abutre macho, chamado Doce. Este dispositivo permite acompanhar as migrações deste abutre.

Mesmo com 30 anos, Doce continua a migrar todos os anos dos Pirinéus em Espanha para a Mauritânica em África, percorrendo uma distância de 4.000 quilómetros. Esta distância é percorrida em cerca de 20 dias.

A 8 de Setembro de 2020, o abutre-do-Egipto começou a sua migração outonal em direcção aos seus territórios de invernada em África. Seis dias depois atravessou o Estreito de Gibraltar. A 26 de Setembro chegou ao seu destino no Sahel. No final de Fevereiro estava de volta ao continente europeu.

Com base na rota migratória de Doce, os investigadores que monitorizam o abutre estimam que esta ave terá feito, pelo menos, 166.535 quilómetros em toda a sua vida. Ou seja, o equivalente a dar a volta à Terra 4.15 vezes.

A informação referente à idade deste abutre vem ajudar a saber mais sobre a longevidade das aves selvagens. O grupo para o qual há mais informação é o das aves marinhas. Sabemos que várias espécies podem viver muitos anos, sendo que o recorde vai para os albatrozes que, muitas vezes, continuam a reproduzir-se com mais de 60 anos anos de idade. Talvez o mais conhecido seja Wisdom, que continua a reproduzir-se no atol de Midway, no Havai, com quase 70 anos.

Mas para as outras espécies de aves, a informação é mais escassa. “Ter informação rigorosa sobre a potencial longevidade dos indivíduos em estado selvagem é essencial para refinar estimativas de viabilidade populacional em espécies como os abutres, que estão ameaçadas a nível global”, escrevem os autores.

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Abutre-do-egipto, também conhecido por britango. Foto: Ricardo Brandão/CERVAS

Espanha alberga a maior população de abutres-do-Egipto da Europa, com entre 1.490 e 1.567 casais.

Os abutres-do-Egipto são os abutres mais pequenos da Europa. E estão em declínio. Nos últimos 40 anos, a população europeia terá sofrido um declínio de cerca de 50%, segundo a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA). As razões passam pela redução de disponibilidade alimentar, o uso ilegal de veneno, a perturbação dos locais de nidificação, a colisão com linhas elétricas e a electrocussão.

Em Portugal, estas aves são uma espécie Em Perigo de extinção. Para ajudar a recuperar esta espécie foi lançado em Julho de 2015 o projecto LIFE Rupis, com medidas em território português e espanhol na zona do Douro Internacional para reduzir a mortalidade e aumentar o sucesso reprodutor da espécie. É precisamente no Douro Internacional que existe o maior núcleo de abutre-do-egipto no nosso país.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.