Abutre-do-Egipto. Foto: Paul Donald

Colaboração intercontinental pode travar declínio de abutre-do-Egipto

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Um novo estudo, publicado hoje na revista Animal Conservation, mostra que a população de abutres-do-Egipto (Neophron percnopterus) nos Balcãs estabilizou, graças à colaboração internacional de parceiros na Europa, Médio Oriente e África.

O abutre-do-Egipto é o abutre mais pequeno da Europa e o único que é migrador.

A espécie viaja milhares de quilómetros por ano, por vezes passando por 40 ou 50 países na sua rota migratória.

Abutre-do-Egipto. Foto: Paul Donald

Mas estes abutres estão a ser mortos por actividades humanas ao longo de todo o caminho que têm de fazer desde a Europa, passando pelo Médio Oriente, até África. Se num país são abatidos a tiro, noutro são envenenados ou electrocutados em linhas eléctricas.

Na Europa de Leste, a população era de menos de 600 casais nos anos 1980 mas rapidamente desceu a pique. Desde 2010, conservacionistas nos Balcãs têm tentado salvar a população reprodutora da região, mas sem sucesso; em 2018 restavam apenas menos de 50 casais.

Contudo, um ambicioso projecto financiado pela União Europeia expandiu os esforços de conservação por toda a rota migratória destas aves, envolvendo 22 organizações em três continentes.

Liderado por conservacionistas da Sociedade Búlgara para a Protecção das Aves e tendo vários parceiros, entre os quais a Real Sociedade britânica para a Protecção das Aves (Royal Society for Protection of Birds, RSPB), a equipa do projecto reduziu o risco de envenenamento, electrocussão e perseguição directa em 14 países ao longo da rota migratória. Além disso reforçou a população reprodutora nos Balcãs ao libertar na natureza abutres nascidos em cativeiro, numa rede de jardins zoológicos europeus.

Libertação de juvenil no âmbito do projecto

Este enorme esforço colaborativo travou a tendência negativa da população de abutre-do-Egipto nos Balcãs que estabilizou em cerca de 50 casais reprodutores.

“Este projecto é um exemplo fantástico da colaboração internacional e da conservação baseada na Ciência”, comentou, em comunicado, Steffen Oppel, da RSPB.

“Há 10 anos não sabíamos qual era o problema mas a UE ajudou-nos a investir em investigação. Seguimos as provas e trabalhámos com parceiros locais ao longo da rota migratória para reduzir ameaças a larga escala.”

Ainda assim, Steffen Oppel salienta que o esforço tem de continuar porque “o abutre-do-Egipto não está, de forma alguma, fora de perigo”.

Entre o que ainda há por fazer está a remoção dos venenos das zonas rurais, a redução do abate ilegal de aves e a gestão da rede eléctrica para que deixe de funcionar como armadilha mortal para as aves.

“O abutre-do-Egipto é apenas uma das muitas espécies migradoras ameaçadas”, lembrou Victoria Saravia-Mullin, da Sociedade Helénica Ornitológica, na Grécia. “Resolver uma ameaça particular ou trabalhar numa única região simplesmente não é suficiente. As espécies migradoras precisam de esforços de conservação a larga escala e mostrámos que isso pode realmente salvar uma população.”

Segundo a RSPB, “por todo o mundo são muitas as espécies migradoras ameaçadas e cujos números estão em declínio. A vida é inerentemente arriscada quando a rotina anual envolve viagens de milhares de quilómetros por terras e mares hostis e por fronteiras políticas, muitas vezes com ameaças diferentes em cada país”.

Marcação de abutre-do-Egipto. Foto: Vladimir Dobrev

“Com grandes esforços, uma espécie pode ser protegida quer no seu local de reprodução quer na sua área de invernada. Mas esses esforços de nada significam se essas aves cuidadosamente protegidas desaparecerem durante as suas migrações em outras partes do mundo.”

Mas a RSPB vê motivos para termos esperança. “Com uma grande equipa de pessoas dedicadas a trabalhar a uma escala intercontinental, mesmo uma espécie que migre ao longo de milhares de quilómetros pode ser salva, um feito que parecia impossível há poucos anos atrás.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.