Cria de lince-ibérico. Foto: Programa de Conservação Ex-Situ

Portugal acolhe crias de lince após atropelamento da mãe em Espanha

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Duas crias de lince-ibérico nascidas na natureza em Castela-la Mancha, Espanha, ficaram órfãs devido ao atropelamento da sua mãe a 17 de Maio passado. O Centro Nacional de Reprodução do Lince-ibérico (CNRLI), em Silves, acolheu-as a 1 de Junho para as recuperar e devolver à natureza, foi hoje revelado.

A mãe destas crias foi encontrada atropelada a 17 de Maio numa estrada municipal em Montes de Toledo, em Castela La Mancha.

“Nesse mesmo dia, as autoridades regionais espanholas montaram um dispositivo especial para a localização da ninhada”, dado que havia provas de que esta fêmea tinha dado à luz nesta Primavera, segundo um comunicado do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

“Foi possível localizar e capturar as duas crias de lince-ibérico, com cerca de 50 dias, nos dias 17 e 18 de Maio”.

Em Castela-La Mancha viviam no ano passado 585 linces-ibéricos, dos quais 114 fêmeas reprodutoras. É a região da Península Ibérica com o segundo maior número de linces, atrás da Andaluzia, com um total de 1.407 linces, de acordo com o Censo de 2022.

Inicialmente, as crias foram levadas para um centro de recuperação de referência para a espécie, em Ciudad Real, Castela-La Mancha. Aí foi feito o check-up e a recolha de amostras para determinar o seu estado de saúde.

Depois foi articulada a transferência dos linces para Portugal.

“Integrado na rede ibérica do programa de reprodução em cativeiro, o Centro de Reprodução português, gerido pelo ICNF, é o que dispõe de melhores condições para acolher, recuperar e treinar exemplares de lince-ibérico nestas condições, com um complexo de treino cofinanciado pelo Fundo de Coesão – POSEUR 2020 e pelo Fundo Ambiental, projetado e construído para responder a casos como este”, acrescenta o ICNF.

Em Silves, “as crias estão a ter cuidados e treino, para as tornar aptas a obter alimento na natureza e permitir a sua futura libertação no território de origem”.

A população residente do CNRLI – que faz parte de uma rede ibérica de cinco centros de reprodução em cativeiro (Silves, El Acebuche, La Olivilla, Granadilla e Zoo de Jerez) – conta hoje com 20 linces adultos e oito crias.

Nesta Primavera nasceram no CNRLI seis machos e duas fêmeas.

O grande objectivo da reprodução em cativeiro é conseguir crias saudáveis, treiná-las para a liberdade e, meses depois, soltá-las na natureza, para que novas populações de linces voltem aos territórios de onde se extinguiram há décadas.

No século XIX, a população mundial da espécie seria de cerca de 100.000 animais, distribuídos por Portugal e Espanha. Mas o lince-ibérico chegou ao início do século XXI reduzido a menos de 100 exemplares. Em Portugal, a espécie vivia, então, numa situação de “pré-extinção”. 

O declínio pode ser explicado pelo colapso das populações de coelho-bravo, a principal presa do lince, especialmente por causa de duas doenças: a mixomatose (nos anos 50) e a febre hemorrágica viral (nos anos 80). Ao quase desaparecimento do coelho-bravo junta-se a caça indiscriminada e a perda de habitat pelas campanhas agrícolas e de reflorestação com eucalipto e pinheiro-manso, que destruíram os matagais mediterrânicos desde a primeira metade do século XX.

Graças aos esforços conservacionistas de Portugal e Espanha, tanto a nível da reprodução em cativeiro como na recuperação de habitats e reforço e ligação das populações selvagens, a espécie está a regressar aos seus territórios históricos.

A 19 de Maio passado soube-se que existem 1.668 linces-ibéricos no mundo, segundo os dados do mais recente censo à espécie. O Vale do Guadiana é o terceiro núcleo populacional mais importante.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.