Edicariano em exposição no Instituto Smithsonian. Foto: Ryan Somma

Somos muito semelhantes às primeiras formas de vida na Terra

Um novo estudo da Universidade da Califórnia Riverside mostra que os animais de hoje, incluindo os humanos, conservam ainda partes importantes dos primeiros organismos multicelulares.

Há 555 milhões de anos, no período Ediacarano, as primeiras criaturas multicelulares que povoaram o oceano podiam não ter cabeças, braços ou pernas, mas muitos dos genes que possuíam continuam a fazer parte dos animais que agora habitam a Terra, concluiu a equipa.

Estes resultados foram publicados agora na revista científica Proceedings of the Royal Society B.

“Nenhum [dos organismos] tinha cabeça ou esqueleto. Muitos provavelmente pareciam tapetes de banho no solo marinho, discos arredondados que estavam ali presos”, disse Mary Droser, co-autora do novo artigo e professora de geologia na Universidade da Califórnia Riverside, citada num comunicado sobre a pesquisa.

“Estes animais são tão estranhos e tão diferentes, que é difícil relacioná-los com as modernas categorias de organismos vivos só olhando para eles . Não é como se lhes pudéssemos extrair o ADN — não podemos.”

No entanto, com recurso a registos fósseis bem preservados, os investigadores conseguiram ligar a aparência desses animais e o seu comportamento provável aos organismos vivos da actualidade.

Em causa esteve a análise de quatro animais do período Ediacarano, entre cerca de 40 espécies já identificadas.

As criaturas do género Kimberella, analisadas pela equipa, tinham a forma de gotas de água, com uma extremidade larga e arredondada e outra extremidade estreita. Pensa-se que raspavam o fundo marinho em busca de comida, com uma probóscide – uma espécie de tromba – e que se moviam com recurso a um “pé” semelhante ao dos caracóis de hoje.

O estudo debruçou-se também sobre os Dickinsonia, uns organismos ovais e achatados com várias faixas em relevo na sua superfície, e os Tribrachidium, que passavam a vida imobilizados no fundo marinho.

Recriação da vida marinha no período Edicariano, em exposição no Instituto Smithsonian. Foto: Ryan Somma

Já os Ikaria, recentemente descobertos, eram semelhantes a um grão de arroz – tanto no tamanho como na forma – e representam os primeiros organismos bilaterais. Ou seja, tinham uma parte frontal e uma parte traseira e aberturas nesses dois lados, unidas por um intestino. A equipa acredita que provavelmente tinham bocas, embora essas não tenham ficado preservadas, e que se arrastavam através da matéria orgânica “comendo enquanto avançavam”.

Mas no que é que criaturas tão diferentes se assemelhavam às da actualidade? Além destes quatro animais serem multicelulares, com células de tipos diferentes, a maioria tinha simetria. Ou seja, o lado direito e o lado esquerdo eram semelhantes. Possuíam também um sistema nervoso descentralizado e musculatura.

Outra característica partilhada, de acordo com os cientistas, era a capacidade de repararem partes danificadas dos seus corpos recorrendo a um processo conhecido como apóptose, que se traduz na morte programada de células. “Os genes envolvidos são elementos-chave do sistema imunitário nos humanos, ajudando a eliminar células infectadas por vírus ou pré-cancerígenas”, explica a equipa, no mesmo comunicado.

Por outro lado, estes animais do período Ediacarano tinham provavelmente as partes genéticas correspondentes a uma cabeça e a órgãos sensoriais que ali costumam estar, como os olhos e os ouvidos, concluíram os investigadores. Todavia, estava ainda por alcançar a complexidade na relação entre esses genes que hoje em dia nos permite ser tal como somos.

“O facto de podermos dizer que estes genes já operavam num organismo que se encontra extinto há 500 milhões de anos é para mim fascinante”, nota o autor principal do estudo, Scott Evans, também investigador na Universidade da Califórnia Riverside.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.