Vozes humanas e ruído do tráfego reduzem estado de alerta de espécies ameaçadas como o visão-europeu

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Os ruídos feitos pelo Homem, como o ruído do tráfego e as vozes humanas, comprometem a conservação de espécies ameaçadas, alerta um novo estudo científico publicado na Scientific Reports.

Investigadores da Universidade Autónoma de Madrid (UAM), com a colaboração de um investigador da Universidade Politécnica de Madrid (UPM), destacam a importância de conhecer como a fauna silvestre, e em particular as espécies ameaçadas, responde a distintas ameaças no seu meio para sobreviver.

O trabalho baseou-se na avaliação de um conjunto de visões-europeus (Mustela lutreola), espécie de mustelídeos que ocorrem na franja norte de Espanha com uma população estimada em menos de 500 indivíduos, classificados como Criticamente Em Perigo de extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).

Fêmea adulta de visão-europeu vigiando o perímetro. Foto: Víctor Ortega/FIEB

Os resultados demonstram que os ruídos antropogénicos modificam alguns comportamentos no visão-europeu em maior medida do que outras ameaças, como o risco de predação ou a concorrência entre indivíduos.

“Os ruídos antropogénicos suscitam uma ocultação mais duradoura”, escrevem os autores do artigo. “Particularmente as vozes humanas induzem a uma maior diminuição na vigilância.”

Por outro lado, “os visões permanecem mais tempo escondidos e reduzem a vigilância na presença de outro visão, enquanto que na presença do cheiro de predadores aumentam tanto o tempo de ocultação como de vigilância.”

“Quando ambos os sinais se apresentam juntos, a reacção comportamental perante um animal da mesma espécie prevalece sobre a resposta a um odor de um predador. Isto deve-se ao facto de que a primeira é um sinal directo e a segunda é um sinal indirecto: o indivíduo da mesma espécie está mesmo à sua frente e o predador está nas imediações”.

De igual forma, argumentam os investigadores, quando está presente outro visão e há ruídos antropogénicos é a resposta comportamental aos ruídos que prevalece. Os visões também modificam o seu comportamento às diferentes ameaças em função do seu sexo e idade, sendo as fêmeas e os subadultos os mais precavidos.

Experiências ex situ

A investigação foi realizada na Fundação para a Investigação em Etologia e Biodiversidade (FIEB), no centro de reprodução do visão-europeu – instalado em Casarrubios del Monte, em Toledo (Castela-La Mancha) – que pertence ao Programa de Conservação Ex Situ da espécie, promovido pelo Governo espanhol. Em 2020 ali nasceram 27 crias de visão-europeu, das quais sobreviveram 21.

Ali, os visões foram expostos a estímulos acústicos, olfactivos e visuais para simular a presença de um congénere (espelho), a presença de predadores (excrementos de bufo-real e de cão) e perturbações antropogénicas (vozes humanas e ruído de tráfego rodoviário).

Durante as experiências foi avaliado o tempo que cada visão permanecia escondido no seu abrigo e o tempo dedicado a vigiar o perímetro. Além disso, foi avaliado o efeito conjunto dos estímulos para estudar a prioridade na modulação de cada uma das respostas comportamentais quando duas ameaças se apresentavam ao mesmo tempo.

“Conhecer como esta espécie reage a potenciais ameaças do seu habitat natural permite estabelecer estratégias que melhorem a sua gestão, ajudando à sua conservação no meio natural, ao aumentar a taxa de sobrevivência nas reintroduções dos visões nascidos em cativeiro”, destacam os autores.

Além disso, é de “vital importância conhecer os efeitos das perturbações antropogénicas para tomar decisões sobre as interacções entre humanos e a fauna silvestre, sobretudo quando se trata de espécies ameaçadas”.

Conservação In Situ

A concorrência com o visão-americano, espécie invasora (Neovison vison), unida à baixa taxa de natalidade e densidade populacional, são alguns dos obstáculos que dificultam a conservação do visão-europeu na natureza.

“É necessário ter em conta os nossos resultados nos planos de gestão da espécie, restringindo actividades como o turismo de natureza ou actividades desportivas que registam uma tendência crescente nas últimas décadas”, salienta Lorena Ortiz, co-autora do artigo.

Para Isabel Barja, investigadora da UAM, “este tipo de gestão deve prioritizar-se em épocas críticas para a espécie, como a reprodução e o cuidado das crias, sobretudo quando se trata de espécies ameaçadas”.

Carlos Iglesias-Merchán, da UPM, concluiu que “não devemos descuidar o impacto do ruído das estradas, pois uma habituação ao mesmo poderia aumentar a taxa de mortalidade por atropelamentos ao comprometer a avaliação do risco de ameaça”.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.