Davina Falcão. Foto: D.R.

Davina Falcão criou o Cobras de Portugal porque estava “demasiado frustrada com a maneira como as pessoas lidavam com as serpentes”

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Há mais de três anos que Davina Falcão, coordenadora do projeto Cobras de Portugal, fala destes animais de Norte a Sul do país. Quer ajudar as pessoas a conhecer melhor estes répteis, a não terem receio e a saber como os ajudar. Uma breve entrevista à naturalista, bióloga e ilustradora que é apaixonada por serpentes desde criança.

WILDER: Quando lançou o projecto Cobras de Portugal e porquê?

Davina Falcão: O projecto foi oficialmente lançado no início de 2020. A razão era muito simples: estava a ficar demasiado frustrada com a maneira como as pessoas lidavam com as serpentes em Portugal e a única coisa que poderia fazer para combater isso era disponibilizar informação que ajudasse a população a saber lidar melhor com elas.

W: Quantas espécies existem em Portugal e quais as mais comuns?

Davina Falcão: Portugal tem 10 espécies de serpentes, sendo a cobra-rateira, a cobra-de-ferradura e a cobra-de-água-viperina as mais comuns.

Víbora-cornuda (Vipera latastei). Foto: Davina Falcão

W: Quais os maiores objectivos do projecto Cobras de Portugal?

Davina Falcão: Disponibilizar informação clara e simples a todas as pessoas de modo a poderem ultrapassar os seus medos e inseguranças, diminuindo a tendência de se querer matar uma cobra. Munir a população de informação sobre as espécies de serpentes que ocorrem em Portugal, técnicas de como removê-las de casa sem as magoar e combater mitos antigos são o grande objectivo deste projecto. Acredito que um dos maiores contributos para a protecção da vida selvagem em Portugal começa nos cidadãos do país apreciarem e respeitarem o que cá existe.

W: Que actividades desenvolve e para que públicos?

Davina Falcão: Até agora as actividades têm sido bastante diversas, desde palestras sobre as espécies de Portugal até workshops de como retirar serpentes de dentro de casa usando materiais facilmente disponíveis. O público também é diverso; já se fez actividades com público geral bem como actividades específicas para agentes da GNR e PSP. Também actividades mais pequenas de sensibilização com agricultores são feitas nas aldeias. 

Acção com a PSP. Foto: D.R.

W: Quantas pessoas estão envolvidas neste projecto?

Davina Falcão: Actualmente uma. Ocasionalmente tenho ajuda de amigos para filmarem vídeos educativos ou participarem nas actividades.

W: Destes anos de trabalho, e na sua opinião, qual é a atitude mais comum das pessoas em relação às cobras?

Davina Falcão: Quando cheguei a Portugal em 1990 a atitude mais comum era eliminar as serpentes que se vissem. Felizmente tenho visto uma mudança. Mais e mais pessoas querem ajudar e fazer a diferença e optam por procurarem uma solução menos prejudicial para o animal.

W: Como avalia o conhecimento que as pessoas, em geral, têm das cobras?

Davina Falcão: Para já ainda é um pouco fraco. Mas o que falta em conhecimento é compensado em curiosidade. Nunca achei que houvesse tanto interesse em aprender sobre estes animais. Fico feliz com isso.

Davina Falcão. Foto: Daniel Farinha

W: O que a fascina mais nestes animais e porque decidiu dedicar-se ao seu estudo e protecção? De onde surgiu o seu gosto pelas cobras?

Davina Falcão: O meu gosto nasceu na minha terra de origem, África do Sul. Um país cujas serpentes são extremamente perigosas, mas onde havia uma abertura para se querer conhecê-las melhor e lidar com elas sem as matar. Os meus pais levaram-me ao “Snake Park” e disseram-me que fiquei vidrada nas cobras desde então. O que me fascina nestes animais é uma excelente questão. Vejo uma beleza e resiliência inigualável nas serpentes. Não sei explicar exactamente o quê, mas acho-as simplesmente perfeitas. 

W: Qual o papel da ilustração nesta sua missão e como começou a desenhar?

Davina Falcão: Comecei a desenhar quando tinha 2 ou 3 anos e nunca larguei os lápis de cor desde então. Comecei a levar a ilustração mais a sério em 2017. A ilustração científica tem um papel de comunicar Ciência através da Arte. Quando preciso fazer uma explicação simplificada sobre alguma espécie ou característica das serpentes, uma imagem é perfeita para esse fim. Também trabalho com muitas pessoas com um nível de escolaridade limitado, que infelizmente têm dificuldade em compreender textos descritivos maçudos. Nessa situação, uma ilustração clarifica muito a informação ajudando-os a compreender o que se está a comunicar. 

Cobra-de-água-de-colar-mediterrânica (Natrix astreptophora). Ilustração: Davina Falcão

W: Qual o papel das cobras nos ecossistemas e porque são valiosas?

Davina Falcão: As serpentes têm um papel importante, tanto como predador como enquanto presa. Muitos animais dependem delas como fonte de alimentação e muitos outros têm os seus números controlados por elas. O efeito positivo para os humanos reside principalmente no controlo das populações de pequenos animais (como mamíferos e aves), muitas vezes nefastos para a nossa agricultura.

W: Qual a sua idade e formação?

Davina Falcão: Tenho agora 38 anos e sou licenciada em Biologia, com mestrado em Ecologia. Especializei-me em ilustração científica, de momento a minha profissão. 


Saiba mais.

Com a ajuda de Davina Falcão, descubra aqui quando se reproduzem cobras e víboras e como se distinguem as espécies perigosas das inofensivas.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.