Gaivota-de-patas-amarelas. Foto: Jörg Hempel / Wiki Commons

Porque é que as gaivotas se dão tão bem nas cidades?

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Cada vez mais os habitantes das cidades partilham o seu espaço com gaivotas, numa relação nem sempre fácil. Mas, com o seu alimento a ser roubado pela (sobre)pesca comercial, e os seus locais de nidificação a serem perturbados ou destruídos, talvez não seja de estranhar que as gaivotas tenham encontrado nos nossos prédios e cidades uma alternativa aos penhascos e ilhas que tradicionalmente ocupavam.

Em Portugal, até meados dos anos ’90, não havia gaivotas a nidificar em meio urbano. Desde então, as nossas cidades têm sido ocupadas sobretudo pela gaivota-de-patas-amarelas, para quem os telhados e terraços dos prédios são como ilhas de escarpas íngremes, muitas vezes rodeadas por um mar de comida.

Gaivota-de-patas-amarelas. Foto: Jörg Hempel / Wiki Commons

Em 2021, a SPEA (Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves) desafiou os portugueses a contar as gaivotas que faziam o ninho nas suas cidades. Juntamente com o Censo Nacional de gaivota-de-patas-amarelas, esses dados permitem afirmar que existem atualmente cerca de 2.000 casais desta espécie (20% dos casais reprodutores do país) a viver em ambientes urbanos no nosso país. 

A facilidade com que as gaivotas se instalam nas cidades é prova da sua versatilidade. O seus cérebros grandes permitem-lhes adaptar-se facilmente aos desafios dos ambientes urbanos. Estas aves são extremamente inteligentes: há relatos de que largam conchas em rochas para as partir, para chegarem ao apetitoso interior, e de que “pescam”, usando pedaços de pão como isco para atrair peixes até à superfície da água.

Gaivota d’asa escura Larus fuscus. Foto: Thermos at fi.wikipedia

Por outro lado, o olfato apurado que as ajuda a orientar-se durante a migração também as ajuda a encontrar novas fontes de comida nos ambientes urbanos. De facto, são tão boas a encontrar comida que investigadores em Espanha sugeriram que, para detetar depósitos ilegais de lixo, as autoridades poderiam seguir os movimentos das gaivotas.

E da mesma maneira que se adaptaram durante séculos ao ritmo das marés e às variações sazonais de alimento, as gaivotas adaptam-se agora aos horários humanos. Em Bristol, no Reino Unido, cientistas que seguiram gaivotas-d’asa-escura (Larus fuscus) por GPS constataram que algumas visitam escolas específicas à hora do intervalo e que outras vão todas as tardes a um ponto de recolha de material para compostagem, à hora da recolha.

Pais cuidadosos, as gaivotas defendem acerrimamente os seus ninhos, com gritos e ataques a pique que muitas vezes incomodam as pessoas. Mas será que temos direito a reclamar? Afinal, se somos nós que lhes retiramos alimento no mar e lhes damos comida fácil em terra, talvez o problema (a existir) não sejam elas.

Gaivotas na praia. Foto: Wilder

Da próxima vez que vir uma destas aves, pare para apreciar a ingenuidade que lhes permitiu não só sobreviver mas proliferar ao nosso lado.


Conte as Aves que Contam Consigo

A série Conte as Aves que Contam Consigo insere-se no projeto “Ciência Cidadã – envolver voluntários na monitorização das populações de aves”, dinamizado pela SPEA em parceria com a Wilder – Rewilding your days e o Norwegian Institute for Nature Research (NINA) e financiado pelo Programa Cidadãos Ativos/Active Citizens Fund (EEAGrants), um fundo constituído por recursos públicos da Islândia, Liechtenstein e Noruega e gerido em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian, em consórcio com a Fundação Bissaya Barreto.