Retrato de dois voluntários pela natureza: André Pinto e Maria Diogo

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André, 41 anos, e Maria, 33, residem em Lisboa. À Wilder, explicaram porque consideram as aves tão especiais e como tem sido participar na monitorização daquelas que dão à costa em arrojamentos.

WILDER: O que fazem enquanto voluntários?

Maria Diogo e André Pinto: Participamos no projeto de ciência cidadã “Inspeções costeiras: monitorização de aves que dão à costa”, liderado pela SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves.

Como somos de Aveiro mas residimos em Lisboa, disponibilizámo-nos para fazer qualquer um dos percursos previstos para estas duas cidades, de acordo com as necessidades do projeto. Acabámos por ficar com o percurso Praia de São Jacinto – Torreira [na zona da Ria de Aveiro].

A ação de inspeção consiste em percorrer o trajeto selecionado que neste caso são cerca de 12 km, durante a maré baixa, e registar todos os arrojamentos encontrados – não só aves, mas também cetáceos. Cada arrojamento deve estar documentado com fotografias e devem ser dadas as informações possíveis relativamente a cada caso. Por exemplo, se existem artes de pesca no corpo do animal, se há indícios de pesca acidental ou outras marcas traumáticas.

Neste projeto em particular, somos voluntários apenas desde julho. Fizemos a primeira inspeção com o acompanhamento de uma técnica da SPEA, em julho, e realizámos a nossa segunda ação, já sozinhos, em setembro.

W: Há quanto tempo são voluntários pela natureza e o que vos levou a começar a participar?

Maria Diogo: No passado já fiz outras ações de voluntariado – por exemplo, de reflorestação, promovidas pela Quercus -, mas este é o primeiro projeto que implica uma participação com regularidade. Para além disso, faço contributos para centros de recuperação de animais selvagens e tenho por hábito oferecer “apadrinhamentos” nestes centros, como forma de ajudar o seu trabalho. 

Quanto à minha motivação para participar, gosto de sentir que estou a contribuir, de alguma forma, para iniciativas de conservação da natureza. Hoje em dia é um facto inegável que a atividade humana é a principal causa de destruição dos ecossistemas e da perturbação da biodiversidade. Por isso, encaro isso – e outras mudanças que fiz no meu estilo de vida – como uma responsabilidade.

André Pinto: O que me leva a participar nestas acções é a vontade de ajudar e de fazer algo pelo planeta.

W: Quais são os maiores desafios deste censo de monitorização dos arrojamentos em que têm participado?

Maria Diogo: Custa bastante ver os animais arrojados com marcas traumáticas profundas ou com indícios de que aquela morte está ligada a pesca acidental, porque sabemos que tiveram uma morte desnecessária e em sofrimento. Como desafio, o facto de a identificação ser por vezes difícil, dependendo do estado de decomposição.

André Pinto: Ainda só fizemos duas ações de inspeção costeira e gostei muito de participar em ambas. Sei que com o Outono e o Inverno consigo antecipar alguns desafios relacionados com isso, por conhecer bem o clima naquela zona, mas penso que a vontade de ajudar nos permitirá ultrapassar esses obstáculos.

Ganso-patola (Morus bassanus), também conhecido como alcatraz, encontrado no areal. Foto: Elisabete Silva/SPEA

W: Quando começou o vosso interesse pelas aves?

Maria Diogo: Começou durante a pandemia, de forma mais séria, mas esse fascínio sempre esteve presente na minha vida. Apenas nessa altura, devido a um acontecimento infeliz – a morte de um melro provocada por uma armadilha colocada para o efeito por um vizinho, facto que me levou a apresentar uma denúncia criminal – entrei em contacto com a SPEA, fiz-me sócia e tudo começou. A partir daí iniciei, com mais método, o estudo das aves e dos seus comportamentos, sem qualquer reticência ligada ao facto de não ser bióloga.

André Pinto: Desde pequeno que gosto de animais no geral. Esse interesse foi-me incutido pelo meu padrinho, grande amante e conhecedor da natureza. Com o confinamento, a Maria começou a interessar-se a sério por ornitologia, e desde aí que comecei também a ver as aves de outra maneira. E ainda bem que o fiz, porque são seres espectaculares.

Melro (Turdus merula). Foto: Musicaline/Wiki Commons

W: Porque consideram as aves tão especiais?

Maria Diogo: As aves são a expressão suprema da liberdade. São o aperfeiçoamento mais sublime da Natureza, em evolução desde os dinossauros. E quanto mais conhecemos os seus comportamentos e padrões de vida, mais nos surpreendem e inspiram. É o caso, por exemplo, dos andorinhões capazes de dormir e copular em voo (!) ou das longas migrações das Sternas, de muitas limícolas e até das felosinhas (aves com apenas 8 a 10 gramas de peso!), que desafiam o nosso conceito de resistência e nos deixam abismados. Para mim, é um verdadeiro prazer estar na Natureza a observar estes seres alados e poder aprender com eles.    

Andorinhão-preto (Apus apus). Foto: pau.artigas/Wiki Commons

André Pinto: Admiro as aves por muitas razões. A primeira, porque voam, algo que considero maravilhoso. A segunda razão é porque são, de facto, especiais enquanto único animal que se adaptou aos 6 continentes. E, por último, embora haja mais motivos, porque são os animais que descendem directamente dos dinossauros, o que também é fascinante.

W: O que têm aprendido e ganhado com esta experiência de voluntariado? 

Maria Diogo: É gratificante sentir que estou a dar uma pequena contribuição para um projeto de conservação. Por outro lado, estar envolvida neste tipo de atividades obriga-me a refletir sobre questões como a ligação do homem ao meio ambiente, ao seu meio de sustento, e a questionar algumas ideias que tenho sobre essa matéria.

Do ponto de vista mais prático, é muito bom caminhar na praia e observar o que se passa nestas zonas menos acessíveis aos banhistas. Ver a corrida dos borrelhos pelo areal ou os ajuntamentos de gaivotas à beira-mar. Nestas duas ações, tivemos sorte com a meteorologia e por isso a caminhada, apesar de exigente, foi muito agradável. Veremos como será no inverno.

André Pinto: Tenho aprendido algumas coisas, especialmente através da identificação das espécies que dão à costa. Como este projecto está muito ligado à actividade pesqueira, tenho tido a oportunidade de observar o impacto da acção humana no meio ambiente.

Borrelho-de-coleira-interrompida (Charadrius alexandrinus). Foto: Rison Thumboor/Wiki Commons

W: Costumam participar nos censos sozinho, acompanhado ou em grupo? E porquê?

Maria Diogo e André Pinto: Tendo em conta o interesse partilhado nesta causa, participamos neste projeto juntos. Dessa forma, podemos trocar impressões e os registos de campo tornam-se mais fáceis.


Saiba mais.

A torda-mergulheira e o ganso-patola têm sido as aves mais encontradas em arrojamentos, de acordo com dados recolhidos ao longo de oito anos.


Conte as Aves que Contam Consigo

A série Conte as Aves que Contam Consigo insere-se no projeto “Ciência Cidadã – envolver voluntários na monitorização das populações de aves”, dinamizado pela SPEA em parceria com a Wilder – Rewilding your days e o Norwegian Institute for Nature Research (NINA) e financiado pelo Programa Cidadãos Ativos/Active Citizens Fund (EEAGrants), um fundo constituído por recursos públicos da Islândia, Liechtenstein e Noruega e gerido em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian, em consórcio com a Fundação Bissaya Barreto.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.